quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A Poesia de Natália Correia

Natália Correia
[S. Miguel, 13.Set.1923 - Lisboa, 16.Mar.1993]

Queixa das almas jovens censuradas

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Dão-nos um lírio e um canivete

e uma alma para ir à escola

mais um letreiro que promete

raízes, hastes e corola

***

Dão-nos um mapa imaginário

que tem a forma de uma cidade

mais um relógio e um calendário

onde não vem a nossa idade

***

Dão-nos a honra de manequim

para dar corda à nossa ausência.

Dão-nos um prémio de ser assim

sem pecado e sem inocência

***

Dão-nos um barco e um chapéu

para tirarmos o retrato

Dão-nos bilhetes para o céu

levado à cena num teatro

***

Penteiam-nos os crânios ermos

com as cabeleiras dos avós

para jamais nos parecermos

connosco quando estamos sós

***

Dão-nos um bolo que é a história

da nossa historia sem enredo

e não nos soa na memória

outra palavra para o medo

***

Temos fantasmas tão educados

que adormecemos no seu ombro

somos vazios despovoados

de personagens de assombro

***

Dão-nos a capa do evangelho

e um pacote de tabaco

dão-nos um pente e um espelho

pra pentearmos um macaco

***

Dão-nos um cravo preso à cabeça

e uma cabeça presa à cintura

para que o corpo não pareça

a forma da alma que o procura

***

Dão-nos um esquife feito de ferro

com embutidos de diamante

para organizar já o enterro

do nosso corpo mais adiante

***

Dão-nos um nome e um jornal

um avião e um violino

mas não nos dão o animal

que espeta os cornos no destino

***

Dão-nos marujos de papelão

com carimbo no passaporte

por isso a nossa dimensão

não é a vida, nem é a morte

(Poesia musicada e cantada, magistralmente, por José Mário Branco)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Igreja Matriz de Vila Franca do Campo

Dedicada a São Miguel Arcanjo, é o mais antigo de todos os edifícios, conservados até aos nossos dias, dos Açores.
É referida no testamento do Infante D. Henrique, datado de 13 de Outubro de 1460.
Ficou em parte soterrada, aquando do terramoto de 1522. Mas, como nos conta Gaspar Frutuoso, logo os povos a levantaram, aproveitando os materiais e contando com o auxílio do rei D. João III.
Em 1585, a Ordem de Cristo autoriza o douramento da capela-mor e, em1589, o Cardeal D. Henrique permite o lançamento de uma finta(*) para o lajeamento da igreja e do adro.
No séc. XVII, a igreja tinha um realejo, que foi, mais tarde, substituído por um órgão.
Foi aumentada em altura, no séc. XVIII (1747), por ordem do Bispo D. Frei Valério do Sacramento, que mandou também reparar a torre, para além doutras transformações.
No séc. XIX, chamavam à torre monumento fúnebre, por ser toda de basalto negro e, por isso, como noticia o Açoriano Oriental, em 1865 reclamam para ela uma caiação.
Com todas as obras que sofreu, ao longo dos tempos, foi muito descaracterizada. Por isso, em 1948, foi alvo de uma profunda intervenção. Foi, então, retirado o reboco da frontaria e tapadas duas grandes janelas, abertas no séc. XVIII.

A porta axial é em forma de arco conopial terminado por um cogulho de cariz vegetalista e tem quatro colunelos por lado, que se continuam nas arquivoltas. Os capitéis são se anel com folhagem e os ábacos muito desenvolvidos. As bases são complexas, de tipo arquitectural flamejante.

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(*) Tributo municipal extraordinário, em que era imposta uma quantia a cada contribuinte, de acordo com a sua fortuna e a soma necessária para uma determinada despesa. As fintas eram lançadas, principalmente, para obter fundos destinados a obras dentro do próprio concelho.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Eu queria...

Casinha Branca
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Eu tenho andado tão sozinha ultimamente
Que nem vejo em minha frente
Nada que me dê prazer
Sinto cada vez mais longe a felicidade
Vendo em minha mocidade
Tantos sonhos perecer
***
Eu queria ter na vida simplesmente
Um lugar de mato verde
Pra plantar e pra colher
Ter uma casinha branca de varanda
Um quintal, uma janela
Para ver o sol nascer
***
Às vezes saio a caminhar pela cidade
À procura de amizade
Vou seguindo a multidão
Mas me retraio olhando em cada rosto
Cada um tem seus mistérios
Seu sofrer, sua ilusão
***
Eu queria ter na vida...
Composição: Gilson/Joran
Interpretação: Maria Bethânia

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Aguçar o apetite...

Era noite quando João chegou à ilha. Durante o entardecer, fora-lhe avistando o lombo, pão de milho flutuante que crescia de encontro a ele, a levedar de verde escuro. O barco entrou na baía cansadamente feliz, a cidade posta na sua concha luminosa, a rocha do Cantagalo cortada a faca, as muralhas do Castelinho ao lado, guardadoras de outros tempos, de outros piratas, de outras guerras. O Monte Brasil, um monstro afocinhado na água, quieto e negro, do outro lado da baía, com seios de velho vulcão. O barco atracou no Porto das Pipas, há gente sobre, um pequeno magote em bicos de pés, alguns acenos que se trocam, passageiros que descem com a viagem acabada. […]
Álamo Oliveira, Até Hoje (Memória de Cão)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Lendas dos Açores 5

Ali, Faquir e o Pirata Corvino
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Um olhar para os Açores, exactamente à ilha do Corvo, em pleno século XV.
Havia ali uma mulher solteira que tinha um filho, o que, para a sociedade local de então, era motivo para ser rejeitada. Às vezes, chegava-se ao ponto de obrigarem as mães solteiras a abandonarem a ilha. E no caso desta, atribuíam-lhe mesmo poderes maléficos, chamavam-lhe bruxa. Com tudo isto, se ela sofria, a criança, conforme crescia e ganhava consciência da situação, tornava-se um ser amargo e revoltado. O moço padecia dolorosamente as humilhações por que passava a mãe e sempre também sobravam para ele.
Também, coisa natural naqueles tempos, numa dada altura, a ilha do Corvo foi assaltada por piratas argelinos, que ali iam abastecer-se. O rapaz não quis saber de mais nada, logo aproveitou para se oferecer a acompanhá-los. Era a maneira que encontrava para se livrar da ilha que tão mal o tratara. E depois, como a mãe já morrera, que ficava ali a fazer?
Ilustração: Maurício Abreu
Os piratas argelinos levaram-no e fizeram uma grande viagem, indo depois dar a Tunes, onde o moço corvino foi oferecido a um faquir, mudando-lhe este o nome de Alípio para Ali. O rapaz, com o seu amo e mestre, aprendeu tudo o que pôde, que lá esperto era ele. Não tardou a ter poderes de faquir: via a distâncias incalculáveis, deixava-se cortar pelas finas lâminas sarracenas e, num ápice, ficava curado. No peito, ostentava a tatuagem do pentagrama, demonstrativa da sua autoridade como faquir.
Mas há sempre um mas nestas lendas. E o mas de Ali era que, mesmo sendo um faquir, lhe aborrecia a penitência e o voto de pobreza que lhe cabia cumprir. Por outro lado, bailavam-lhe na cabeça os vexames que com a mãe suportara na ilha do Corvo e queria vingar-se. Como ouvia a voz da mãe dizer-lhe sempre:
- Pobreza não é vileza, mas é um ramo da picardia.
Assim, atingindo a idade adulta, dotado de saberes e poderes invulgares, não hesitou em arranjar tripulação para dois barcos de piratas que passou a comandar. De Larache, onde armara a sua pequena esquadra, Ali saiu para o Corvo. Aí chegado, fundeou perto da baía da praia para os barcos não serem vistos do Corvo, mas reparou neles uma corvina que por ali andava às lapas. E a mulher deu o alarme. E quando os piratas desembarcaram de uma chalupa à entrada da ilha, esta estava tomada pelos corvinos, que lhes lançaram pedras, obrigando-os a fugir para a chalupa. Porém, como se levantasse forte ventania, a embarcação voltou-se, e os piratas, entre os quais Ali, não conseguiram nadar para os barcos, que era difícil e longe, nem regressar à praia, onde os matariam. Desconfiaram de que o comandante os queria entregar aos corvinos e cortaram-lhe o pescoço. Depois, conseguiram salvar-se.A cabeça de Ali foi dar à praia, onde a reconheceram. Enterraram-na na areia, mas todas as noites ela se desenterrava e ululava pelos rochedos. Até que um dia ficou sob a areia para sempre.

José Viale Moutinho, Lendas dos Açores

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Na NATUREZA, tudo se transforma...

Este alfinete de peito, oferecido por amigos,
fica lindamente na lapela dum casaco preto
Quando vivi em S. Miguel, tive ocasião de observar que os açorianos têm uma evidente “queda” para as artes, muita criatividade e grande habilidade manual.
Um exemplo do que afirmo são os belíssimos trabalhos em escama de peixe, que exigem grande minúcia e paciência.
Se bem me lembro… disseram-me na peixaria de Rabo de Peixe (Ribeira Grande), onde muitas vezes me abastecia de excelente (e barato, naquela altura) peixinho, que as escamas mais utilizadas eram as da Veja, um peixe óptimo e colorido, com escamas grandes e de formato singular.
Aqui em casa, tenho apenas estes dois exemplares, mas garanto que há muitos e variados objectos lindos e muitíssimo perfeitos.
Marcador de livros

Mar dos Açores dá prémios

Orcas at sunset
Esta fotografia [*], tirada ao largo da ilha de S. Miguel, valeu ao fotógrafo Nuno Sá o prémio Wildlife Photographer of the Year.
É a primeira vez que um fotógrafo português recebe este prémio, o mais antigo, o maior e o mais prestigiante de fotografia de vida selvagem.
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[*] Aqui, de péssima qualidade, por ser copiado do Jornal de Notícias.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A ILHA

De repente, o mar detém-se. E a ilha defende-se de ser água por detrás dos muros das arribas.
Uma ilha grande, fechada, que durante muito tempo só se abriu para deixar sair gente. A única mensagem de libertação que lhe chegava estava gasta por quase dois mil anos de interpretações acomodadas, salvando os pobres numa redenção de mortos, e garantindo aos ricos a felicidade eterna pelos lugares nos primeiros bancos da igreja e pelas varas do pálio nas procissões anuais. Todo o trigo mirrava com a alforra da avareza, fazendo da fome a padroeira-mor da ilha. Por isso se aceitava a servidão, em nome errado de Deus e pela ordem pobre da pátria, como uma bênção maldita.
João nascera dessa gente que só servia para servir, e crescera neste pedaço de terra, onde o mar suspende um meridiano de água para que a ilha se levante sob um céu de nuvens, fechada no seu cilício de espuma.
Daniel de Sá, Ilha Grande Fechada

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Espreitar a escrita de... JUDITE JORGE

Judite Jorge

Nova Iorque, 12 de Setembro de 1947

Querida mãe e restante família,

Oxalá que esta vos vá encontrar de saúde e na forma do costume. Pensar que estou a meio caminho daí e que ainda não é desta que vos vejo! Tinha muita vontade de ir aí, até disse ao Luís, Pois se a gente vai atravessar a América toda, vai mais adiante, vamos aos Açores para eu ver os meus e para tu os conheceres, mas ele respondeu, Sabes que a gente deu agora um balanço grande à vida com a compra da casa e as passagens de avião são caras, a gente para ir de barco é mais o tempo que passa no mar do que em terra com eles, a gente há-de ir para o ano. Ele tinha gosto em vir aqui ao Este ver os sobrinhos, que já não via há muitos anos, e eu tinha gosto em ir ter com vocês, que ainda há mais tempo que não vos vejo, mas não podíamos ter ambos os gostos de uma vez, estamos então aqui agora e, para o ano, por esta altura, havemos de estar aí, assim Deus permita.
Mando estas fotografias que tirámos na viagem. Louvado seja Deus, eu gostava que vocês vissem como esta América é grande e variada. Andámos mais de quatro mil quilómetros para chegar aqui e ainda fomos ver Niagara Falls, são umas quedas de água muito lindas. Amanhã começamos a viagem para trás, que quando chegarmos ainda vamos fazer a mudança de São Francisco para a casa de São José, tem de ser antes de eu voltar ao trabalho.
Muitas saudades para todos
desta que nunca se esquece de vocês
e a todos abraça
Maria
- Foi por isso que não casaste com ele? Por ser protestante? – perguntou o homem.
Alto e magro, mas bem constituído, rosto recortado e forte em tez escura, olhos grandes, castanhos e pestanudos, cabelos ondulados a denunciar duas pequenas entradas, não mais do que uma ou outra ruga à volta dos olhos, ninguém diria que ia fazer cinquenta anos.
- Foi uma razão de peso – respondeu a mulher.
Não fosse o cabelo branco e não pareceria mais velha do que ele. De estatura baixa, magra a ponto de parecer frágil, tinha rosto redondo, nariz fino, olhos doces e perspicazes. O cabelo, curto e penteado para trás, deixava-lhe à vista a testa generosa.
- Mas casaste comigo e sou ortodoxo! – retorquiu, admirado.
- Pensando bem, não posso dizer que tenha sido só pela questão da religião que não casei com ele. Quando isso se passou, eu estava acabando de chegar à América, era muito nova, não me quis prender logo. Talvez não me sentisse preparada para dar aquele passo. Contigo foi diferente, a situação era outra. Estava nesta terra há muito tempo, tinha a minha vida organizada, mas, longe dos meus e sem nunca me ter juntado com ninguém, sentia-me sozinha. Tu apareceste, soubeste cativar-me… Só te pus uma condição, a do casamento misto, e tu concordaste logo, prometendo que cada um respeitava a vida religiosa do outro.
- Assim tem sido. Por causa disso, até celebramos duas vezes o Natal e a Páscoa… Diz lá, Maria, alguma vez nos zangámos por causa da religião?
- Eu parece-me mesmo que a gente nunca se zangou.
- Zanga, zanga não foi, mas antes da viagem tivemos aquela diferença de opiniões quanto à casa.
- Eu preferia continuar em São Francisco, mas tu quiseste comprar em São José e lá acabei por te fazer a vontade. Embora, a meu ver, já que não tínhamos o dinheiro todo e foi preciso o empréstimo, pudéssemos ter pedido mais algum e…
- Mas os preços – atalhou ele, acentuando a palavra – não se comparavam.
- Pois tu lá sabes, é que trataste disso, e o que está feito, está feito, não se fala mais no assunto. Mas estou tão habituada a São Francisco que me custa sair de lá…
- Não vais chegar a sentir saudades, é em São Francisco que trabalhas, acabas por ir lá quase todos os dias. Eu é que não… Vendeu-se a barbearia, vou ficar desocupado… Não sei o que é que hei-de fazer para não me sentir inútil.
- Não te preocupes, hás-de entreter-te a tratar do jardim. Quanto à barbearia, não te arrependas, está vendida e o dinheiro que recebeste e mandaste aos teus lá na Grécia há-de ser de bom proveito.
- É como dizes, toda a ajuda que recebam é bem aplicada. Coitados, aquela guerra parece que nunca mais tem fim, estão a passar muito mal. Não estás arrependida de não teres querido parte do dinheiro da venda e de me teres dito que mandasse tudo para a Grécia?
- Não, Luís, não tenho de que me arrependa. Aquela barbearia já era tua antes de eu te conhecer. E, além disso, os meus também passam dificuldades lá no nosso Pico, mas felizmente vivem em paz, vão conseguindo tirar uma coisinha da terra, batatas, inhames, milho, trigo, o principal, e ao mar vão buscar peixe que o há com fartura. Tenho gosto em mandar-lhes algum dinheiro sempre que posso, e sabes que mando duzentos dólares pelo Natal, mas os teus estão em pior situação, fazes bem em ajudá-los.
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Conversavam no apartamento de Susana, sobrinha dele, uma rapariga simpática e roliça, mãe de dois rapazes adolescentes e casada com um grego que Maria não chegou a conhecer por andar embarcado num navio de mercadorias. Era a véspera do regresso à Califórnia e tinham passado o dia a dar as últimas voltas. Primeiro, logo de manhã – Maria não passava que não assistisse à missa dos portugueses -, ele deixara-a à porta da igreja de Santo António. Não entrara, dissera-lhe que ia pôr no correio a carta dela para os Açores e uma, sua, para a Grécia. Apanhara-a uma hora mais tarde no mesmo sítio, trazendo uma surpresa: sanduíches e sumos com que lhe sugeria um piquenique no Central Park. Fascinados e sem pressa, tinham passeado pela luxuriante verdura do parque, comentando como era bom que uma cidade assim, cheia de vidro, cimento e ferro, usufruísse de um tal pulmão. Mais tarde, ao rever a pequena ilha, quase abafada à sombra da Estátua da Liberdade, recordara as suas primeiras horas em terras da América. Ali as passara, em Ellis Island, à espera que os serviços de emigração sentenciassem quem entrava e quem era mandado para trás.
Agora, sozinhos em casa, pois tanto Susana como os sobrinhos ainda estavam fora à hora que chegaram do passeio, não era tarde nem cedo para prepararem o regresso.
- Vou fazer a mala – disse Maria. – Que roupa queres que deixe fora para vestires amanhã?
- Pode ser as calças e a camisa bege – escolheu Luís e depois sentou-se, de mapa na mão, a traçar o itinerário de regresso. – Nova Iorque, Pennsylvania, Ohio, Indiana, Illinois, Iowa, Nebraska, Wyoming, Utah, Nevada, Califórnia… Vamos voltar a passar por estes estados todos…
- Pois sim! – concordou, entusiasmada.
Com ele irá onde for preciso, é o seu único homem, com ele casou há seis anos, com ele pela primeira vez tomou o gosto ao amor e à vida partilhada, com ele, sim, quer atravessar sem desfalecimentos as serras e os desertos que lhes caibam.
Judite Jorge, Afectos de Alma

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Baseado na história verídica de Maria Polley, este foi o primeiro romance de Judite Jorge. Nascida, em 1965, no lugar de Pontas Negras (Ilha do Pico), é jornalista, poetisa e recebeu vários prémios.

Vale a pena continuar a leitura deste romance, que aqui se inicia, numa publicação da Dom Quixote.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Na Serra do Açor

A Serra do Açor situa-se entre a Serra da Lousã e a Serra da Estrela e estende-se pelos concelhos de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra.
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Fraga da Pena, freguesia da Benfeita (Arganil)
Acabo de passar alguns dias no Piódão (Arganil), aproveitando para dar longos passeios pela Serra, e lavar a alma, no contacto com a Natureza. De vez em quando, a paisagem obrigava-me a lembrar as minhas ilhas queridas. Como se o próprio nome na Serra o não fizesse já!...
A semelhança acentou-se na Fraga da Pena, não só pela cascata em si, mas também por toda a área envolvente de vegetação luxuriante e húmida.
Enfim... uma espécie de viagem mental pelas ilhas... do lado de cá do Atlântico.

domingo, 12 de outubro de 2008

Mais vale tarde... Os 30 anos da morte de Brel

Jacques Brel
nascimento: Schaarbeek, Bélgica em 8 de Abril de 1929
morte: Bobigny, França em 9 de Outubro de 1978
Não consegui o vídeo, mas aqui fica a letra de Amsterdam e a homenagem ao grande Jacques Brel. Para os amigos deste blogue,
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AMSTERDAM
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Dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui chantent
Les rêves qui les hantent
Au large d’Amsterdam
Dans de port d’Amsterdam
Y a des marins qui dormant
Comme des oriflammes
Le long des berges mornes
Dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui meurent
Pleins de bière et de drames
Aux premières lueurs
Mais dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui naissent
Dans la chaleur épaisse
Des langueurs océanes
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Dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui mangent
Sur des nappes trop blanches
Des poisons ruisselants
Ils vous montrent des dents
A croquer la fortune
A décroiser la lune
A bouffer des haubans
Et ça sent la morue
Jusque dans le coeur des frites
Que leurs grosses mains invitent
A revenir en plus
Puis se lève en riant
Dans un bruit de tempête
Referment leur braguette
Et sortent en rotant
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Dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui dansent
En se frottant la panse
Sur la panse des femmes
Et ils tournent et ils dansent
Comme des soleils crachés
Dans le son déchire
D’un accordéon rance
Ils se tordent le cou
Pour mieux s’entendre rire
Jusqu’a ce que tout à coup
L’accordéon expire
Alors le geste grave
Alors le regard fier
Ils ramènent leur batave
Jusqu’en pleine lumière
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Dans le port d’Amsterdam
Y a des marins qui boivent
Et qui boivent et reboivent
Et qui reboivent encore
Ils boivent à la santé
Des putains d’Amsterdam
De Hambourg ou d’ailleurs
Enfin ils boivent aux dames
Qui leur donnent leur joli corps
Qui leur donnent leur vertu
Pour une pièce en or
Et quand ils ont bien bu
Se plantent le nez au ciel
Se mouchent dans les étoiles
Et ils pissent comme je pleure
Sur les femmes infidels
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Dans le port d’Amsterdam
Dans le port d’Amsterdam
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Aqui fica, também, a achega do João Coelho (comentário que fez no Luar de Janeiro, há tempos):
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Para quem, eventualmente, não saiba, Jacques Brel, amante da vela, saiu, em Julho de 74, de França para o Pacífico. Por problemas de saúde, aportou à Horta onde foi visto pelo Dr. Decq Mota, acabando assim por se detectar o cancro no pulmão que o mataria em 9 de Outubro de 1978 (há 30 anos, portanto) . O cantor está sepultado, por sua vontade, no cemitério de Atuona, na ilha de Hiva Oa (Marquesas), próximo da campa de Gauguin. Há algum tempo o navegador solitário açoriano Genuíno Madruga, que está a fazer a sua segunda volta ao Mundo no iate "Hemingway", deixou, no túmulo de Brel, uma placa de homenagem, em seu nome e no de José de Azevedo, do Café Sport (o Peter da Horta) que Brel frequentou. Em 1983, Fernando Tordo foi viver para o Faial durante algum tempo, conhecendo ali a família Decq Mota e, através dela, o orquestrador de Brel. Resultaram, deste contacto, dois discos de Tordo, "Anticiclone" e "A ilha do Canto".

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ainda Dias de Melo

Conheci Dias de Melo estava eu na Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, acabadinho de me libertar dos calções curtos da Primária. Era, se não erro, professor de Português, sem grande sucesso; homem pausado, no andar e nas falas, pendurado no seu cachimbo - anos depois assinaria crónicas num jornal micaelense, sob o título de "Fumo do meu cachimbo” - e com um sotaque "picaroto" fechado, nada o ajudava enquanto comunicador.
Perdi-o de vista depois desse tempo de escola, para só nos cruzarmos, de novo, logo a seguir ao 25 de Abril, no MDP-CDE, porto de abrigo enquanto não surgiram os Partidos, para os que acreditavam que, com a Liberdade, tudo viria… não imaginando, por um momento sequer, as desilusões (e tropelias)que o futuro nos traria.
Entretanto, li "Pedras Negras", "Mar Rubro" e "Mar pela Proa", a trilogia por onde espalhou o seu amor pela ilha-montanha, pelas suas gentes e pelo mar - mar que ele conhecia bem, porque também lá andou atrás da baleia. São livros essenciais para conhecer a vida dos que são (opinião minha, vale o que vale) os melhores senhores do oceano, no Atlântico Norte: os "picarotos", lavradores do mar que, trabalhando a terra, lutando pela vida em chão nem sempre quieto, tudo largavam quando o som do foguete os chamava para arriar as canoas e irem de abalada, atrás da baleia, até onde fosse preciso.
Guardo do Dias de Melo, em contraste com a sua tranquila forma de estar, a vivacidade e brilho dos seus olhos - era através deles que se expressava e que nos mostrava o que lhe ia na alma. E tenho ideia de que sempre andou pelo lado certo da vida.
Os Açores, depois de Emanuel Félix, perdem outro nome de referência, nas suas Letras.
João Coelho

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Adeus a DIAS DE MELO

Velha Professora
A velha Professora uma vez mais envolveu num olhar magoado o prato de amêndoas sobre o naperon estendido na taça da mesinha oval, em frente ao divã e à poltrona de vimes do canto, deu alguns passos trôpegos, hesitantes, sentindo no corpo franzino o gelo húmido da tarde, e ficou de pé, os cotovelos apoiados no peitoril, por dentro da janela fechada.
O calendário marcava já o começo da Primavera, o tempo, porém, continuava de Inverno rigoroso, áspero, agressivo, frio, muito frio – tão rigoroso, tão áspero, tão agressivo, tão frio que ainda as parreiras se estendiam pelo burgalhau das vinhas, negras como braços de cadáveres velhos de dedos retorcidos e pele encarquilhada, e as flores, que, num dia, apareceram brancas e perfumadas – estrelas pequeninas suspensas entre a folhagem verde do incenseiro de ao pé do muro do quintal – logo na manhã seguinte eram apenas migalhas de sonho que o vendaval nocturno destroçara e derramara pelo chão. Também a figueira plantada rente ao maroiço, uma tarde com folhinhas tenras rebentando nas pontas, logo ficara novamente com os galhos nus, cinzentos, lívidos, como certamente o foram outrora os da figueira em que se enforcou Judas.
A velha Professora aconchegava melhor o xaile de merino castanho ao pescoço magro e aos ombros estreitos, olhava a horta onde as batatas semeadas nem chegaram a abrolhar, as parreiras tristemente ressequidas, a figueira nua, o incenseiro depenado, ao longe, no fundo da paisagem, recortava-se, triangular, no céu esgazeado, a descomunal mancha branca da montanha, com a neve a escorrer-lhe pelos flancos, a alcançar as pastagens, a babujar as casas e as terras lavradias mais do alto. O mar, não o podia ver daquela janela, mas ouvia-lhe os rugidos e os lamentos das vagas, que galgavam, na costa próxima, as penedias bravas.
O sentimento de desolação que desabava sobre a Ilha, assim triste, assim parda, quando devia já revestir-se das galas faustosas das verduras novas, da policromia das flores, da sinfonia festiva dos canários e tentilhões a saltitar pelos ramos das faieiras, pelos cocurutos dos maroiços, pelos festos das paredes, doía-lhe na pele, na carne, no sangue, nos ossos, como na alma lhe doía a tortura da vida.
O Inverno, não havia que duvidar, assentara, naquele ano, arraiais nos penhascos da Ilha e para permanecer muito mais que o desejado, se era que havia alguém que o desejasse – ela, a velha Professora, tinha-lhe horror, ali metida, sem ninguém, solteira como sempre fora, entre as quatro paredes daquela casa que herdara dos antepassados.
Dantes, fizera da escola o seu lar e das alunas a sua família, principalmente depois que lhe morreram, primeiro o pai, a seguir a mãe, e os sobrinhos, que tomara à sua conta e educara pelo desaparecimento do irmão num desastre de baleia no Canal e falecimento prematura da cunhada levada por um cancro, se haviam, feitos homens, ido a tratar da vida nas lonjuras do mundo. Todavia, embora já só, mal dava pelo Inverno, mal sentia o vazio e a solidão à sua volta – lá estava a escola, lá estavam as alunas, faziam-lhe esquecer todo o Inverno, preenchiam-lhe todos os vazios, povoavam-lhe todas as solidões. Tudo, porém, se tornou diferente no dia em que, vencido o limite da idade legal para o exercício de qualquer função pública, a escorraçaram, brutalmente, como quem dá um pontapé num cão inútil, da escola e a apartaram das trinta e tantas crianças a quem ensinava a Instrução Primária, filhas e netas das antigas discípulas que, na extensa caminhada de cinquenta anos bem medidos e bem contados, fora, em cada ano que passara, ensinando, educando e levando, em Julho, à vila, ao acto solene do exame da quarta classe com emoção igual à da mãe que acompanha a sua menina ao altar para a cerimónia do casamento, mesmo depois que uma Lei da Ditadura fascista tornara obrigatório o ensino apenas até à terceira classe, Lei essa que para ela era como se não existisse, não passava de um absurdo consciente e de má fé, “acabaram com a quinta classe, agora tornam a quarta facultativa, mais cedo ou mais tarde com a quarta acabam igualmente, querem mas é fazer deste País o paraíso dos analfabetos para, com a ignorância do povo, melhor e à vontade ao povo os ricos explorarem”, dizia e rematava, “mas, enquanto isso não acontecer, aluna minha só com o seu exame da quarta classe deixarei ir para casa”.
Assim pensava, assim procedia, passava o tempo sem se aperceber de que o tempo passava, mas, obrigada (com a mais rude e grosseira brutalidade) a abandonar a escola, a apartar-se das suas alunas, tudo se tornara diferente, terrivelmente diferente, e ela vira-se como um barco destroçado, sem leme, sem bússola, sem governo, sem rumo, à deriva sobre as incertezas de um mar desconhecido.
Na torre da igreja, à ilharga do pequeno largo do centro da freguesia, aberto para a amplidão dos horizontes do oceano, o sino derramava, sobre a terra e as águas salgadas, as pessoas e as coisas, o bronze austero e amargo das cinco badaladas das trindades, enquanto uma nuvem, negra por cima da brancura da neve, crescia, arredondada, inchava, acabava por cobrir a montanha, alastrava pelo céu.
Mais encolhida, mais arrepiada, mais enregelada, a velha Professora afastou-se da janela, sentou-se na poltrona de vimes no canto, ajeitou o coxim por baixo das nádegas descarnadas, a almofada por trás das costas mirradas, uma vez mais aconchegou melhor o xaile de merino castanho no pescoço magro, engelhado, e nos ombros estreitos descaídos. Na sua frente, sobre o naperon estendido na taça da mesinha oval, o prato com amêndoas… à espera…
O calendário marcara o início da Primavera – e não tardaria a noite a trespassar os vidros da janela fechada, a noite tenebrosa de Inverno, que a amedrontava, que lhe enchia a casa e a alma de terrores… Começavam as primeiras sombras a insinuar-se, silenciosas e escorregadias como fantasmas, no quartinho em que se encontrava, a envolver as fotografias doutros tempos, dos sobrinhos miúdos, da mãe ainda nova, do pai ainda jovem, do irmão, valente baleeiro, que sucumbira levado numa linha [1] e afogado nas ondas, das festas escolares que promovera, de grupos de alunas que tivera… pedaços inertes da vida que passara…
[…]
Dias de Melo, Inverno sem Primavera

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[1] Linha: aqui, cabo com uns 600 metros de comprimento por cerca de 1 centímetro de diâmetro que, arrumado em duas selhas e amarrado ao cabo do arpão, liga, depois de arpoada, a baleia à canoa.

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Dias de Melo nascido na freguesia da Calheta de Nesquim, ilha do Pico, em 8 de Abril de 1925, morreu hoje, 24 de Setembro de 2008, em Ponta Delgada.

Os escritores que amamos viverão dentro de nós. PARA SEMPRE!

domingo, 14 de setembro de 2008

AS MEMÓRIAS DO JOÃO COELHO...

Castelo de Vide e os Açores
Os tons de verde em Castelo de Vide foram a primeira "marca" que me fez lembrar S. Miguel, quando conheci a "Sintra do Alentejo" nos idos de 80... Outra marca, a pronúncia dos locais, com o "u" acentuado, semelhante à micaelense. Dizia-me Carolino Tapadejo, então Presidente da Câmara, que isso teria a ver com a ida de mais de uma centena de famílias judaicas para S. Miguel e com a sua fixação, na zona de Castelo de Vide, no regresso ao Continente ( e, se não erro, o Município local terá colaborado com a Câmara da Vila da Povoação, na realização de trabalho de investigação sobre a matéria).
Castelo de Vide é terra natal de Mouzinho da Silveira que tem fortes ligações aos Açores, para onde foi forçado a deslocar-se em 1828, fixando-se na ilha Terceira. Em 1832 forma-se, naquela ilha, o Ministério Liberal, com Mouzinho e Almeida Garrett, entre outros; ocupando a pasta da Fazenda, Mouzinho toma uma série de medidas em prol da melhoria das condições de vida dos açorianos - uma delas, para protecção da ilha do Corvo, leva a que a população envie um grupo de representantes à ilha Terceira (em barco a remos!) para agradecer a Mouzinho da Silveira. O político, sensibilizado pela atitude, diz então que, quando morrer, quer ser sepultado no Corvo... o que acabará por não acontecer.
Outro filho ilustre de Castelo de Vide, é Salgueiro Maia, capitão de Abril. No pós 25 de Novembro, foi colocado em S. Miguel, no Batalhão de Infantaria nº18, provavelmente por o considerarem um perigoso "esquerdista"... E por lá andou, passando por provocações várias de "democratas" locais, até voltar ao Continente para, imagine-se, dirigir o Presídio Militar de Santarém...
Gosto de Castelo de Vide pelas razões apontadas, e também pela índole dos seus habitantes. É gente que passa o tempo a inventar partidas e brincadeiras, de uma forma que nunca vi noutras paragens. Por exemplo, quando Carolino Tapadejo dirigia a Câmara, participou numa "história" que levou alguns crédulos da terra a acreditar que, para se casarem, tinham de ir à Autarquia, receber uma "guia de marcha" assinada pelo Presidente e com carimbo da Câmara, rezando que " seguia o mancebo fulano de tal para a Igreja de Castelo de Vide, no dia tantos de tal, a fim de que se celebre casamento com fulana de tal... etc." - mais ou menos nestes termos. E, noutra ocasião, convenceram uma figura da terra, conhecida pelo seu conservadorismo e aparente exigência de rigores morais de que ia abrir, em Castelo de Vide, uma boite com dançarinas de strip tease, com inauguração a horas escusas... por volta da meia-noite, ou coisa assim. Depois de "adubarem" o indivíduo com informações muito sigilosas sobre as características do estabelecimento, foram pôr-se à espreita, na noite da suposta abertura, para apanhar o fabiano a rondar o local, à espera de entrar no "antro do pecado"... ao arrepio das suas propaladas virtudes de cidadão exemplar.Outra situação teve a ver com o facto de, em Castelo de Vide, existirem associações de indivíduos com o mesmo nome: os Josés, os Manueis, etc. Mas, como em boa terra alentejana, ficavam de fora uma data de cidadãos, com nomes estranhos - como Carolino Tapadejo. Então formaram a Associação dos nomes estranhos, que tinha um dia de comemorações, integrando um cortejo, com estandarte próprio, que se deslocava ao cemitério, em homenagem aos sócios falecidos, e um almoço, com discursos em louvor dos marginalizados pela estranheza do nome...
Enfim, qualidade de vida..

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

CLÃ em Ponta Delgada

O grupo CLÃ, e a música do Norte, hoje,
no Campo de S. Francisco em Ponta Delgada
A vocalista: Manuela Azevedo
PROBLEMA DE EXPRESSÃO
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Só p'ra dizer que te amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.
*****
Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.
*****
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
*****
Só p'ra dizer que te amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
*****
E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
*****
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
*****
E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.

*****

Letra: Carlos Tê

Música: Hélder Gonçalves

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Piquei-me nas silvas dos Açores...

Luas do Pico
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Subitamente, olhei para ti
Como quem olha para quem nunca viu
Como se fosse um luzeiro, eu descobri
Que os ventos que cruzam o Canal passam por ti
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Subitamente, nasci em ti
Na transparência da dor e do frio
Como se fosse um atalho que percorri
Piquei-me nas silvas do Pico, fiquei por aqui
********
Juntos traçámos as nossas rotas impossíveis de maresia
Cruzámos, velhos loucos, oceanos em veleiros de agonia
Guardámos nossas dores nos rumores que os ventos então traziam
Cravámos uma âncora de esperança no porto da nossa ilha
********
Subitamente, mais perto de ti
Soltei amarras do velho navio
Atravessei o Canal e então percebi
Que as luas que nascem no Pico são todas para ti
********
Juntos traçámos as nossas rotas impossíveis de maresia
Cruzámos, velhos loucos, oceanos em veleiros de agonia
Guardámos nossas dores nos rumores que os ventos então traziam
Cravámos uma âncora de esperança no porto da nossa ilha
******
Letra e música: Luís Alberto Bettencourt
Intérprete: Piedade Rego Costa
Álbum: 7 Anos de Música

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

ADEGA LUSITÂNIA

A Adega Lusitânia, em Angra do Heroísmo, conheci-a nos anos 60, quando era ainda uma tasca, onde se comia bom peixe porque o dono era pescador… Chão de terra, espaço escuro e um bocado "encardido", não tinha nada a ver com o que é hoje, funcionando num tempo em que a cidade só tinha praticamente um restaurante, o "Beira Mar", junto ao Pátio da Alfândega.
Na Lusitânia, havia um grupo que mantinha uma "tradição" muito própria: por altura da tourada à corda do Alto das Covas, metiam-se na tasca, vendo os touros e o pessoal a correr de um lado para o outro. Quando percebiam que um dos bichos já estava um bocado farto de tanta correria, faziam-lhe uma pega, e metiam o focinho do animal na entrada da taberna… onde outros, já preparados, enfiavam um barrilete de vinho pela boca do bicho abaixo. E depois ficavam a apreciar o percurso do animal, tornado companheiro de Baco, a trocar as patas pelo caminho fora… Coisas que hoje seriam censuráveis… mas que, na altura, eram apreciadas pelo pessoal, da terra ou forasteiros.
João Coelho

terça-feira, 26 de agosto de 2008

MARGARIDA MADRUGA

Maria MARGARIDA Vieira de Bem MADRUGA, nasceu a 11 de Novembro de 1945, nas Lajes do Pico (S. João).
Começou a pintar a óleo aos 13 anos, para parentes na América. De 1966 a 1972, já em Lisboa, fez banda desenhada. Terminou o curso de Arquitectura em 1972, trabalhando, exclusivamente como arquitecta, até 1994, quando retomou a pintura, a sua grande paixão. De reconhecido talento, expôs nos Açores, Continente e Galiza.

Para ampliar, basta clicar em cima da imagem.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Carta de América

Mestre João Bernardo era sapateiro e ferrador. Calçar apenas criaturas humanas ou irracionais não seria suficiente para garantir o seu sustento e o da família, e por isso aprendeu as duas artes. Mas, para não ofender as pessoas, definia-se como um sapateiro que também calçava animais, porque, se dissesse de si mesmo que era um ferrador que também calçava gente, isto seria decerto tomado como ofensa à sensível dignidade dos bípedes pensantes.
Foi-se embora deixando a oficina dupla sem nada levar dela. A fornalha estava tão pronta a acender como todo o material em condições de ser usado. Qualquer um que o soubesse fazer reanimá-la-ia em momentos.
Foi em sua casa que se jogou o último desafio de sueca na serra. Ainda lá estavam a mesa, as cadeiras e até a garrafa com o resto da aguardente.
Com a partida de mestre João Bernardo, no dia seguinte, não ficariam na aldeia mais do que três homens: o tio Amadeu, o Joaquim Torre Velha e Manuel Cordovão. Por isso aquele serão de sueca e despedida teve honras de mutismo em velório que nem os cálices de aguardente animaram.
Os parceiros haviam sido sorteados dando uma carta a cada um. Manuel e o Joaquim Torre Velha ficaram com as duas mais baixas, e por isso formaram equipa.
Manuel preferia tê-lo como adversário, porque, se ganhasse, isso seria uma pequena vingança, embora insignificante pelo muito que o outro lhe devia de uma vida inteira vivida ao contrário do que tanto desejara. Qualquer último dia é sempre inesquecível, talvez mais do que o primeiro, nem que seja o de um simples jogo de sueca.
Para evitar uma indefinida sucessão de partidas em que os que estivessem em desvantagem invocassem o seu direito à desforra, foi combinado que a disputa terminaria quando uma das equipas alcançasse seis vitórias.
Partida a partida, a sequência de vitórias e derrotas não deu a nenhum dos pares uma vantagem superior a uma até ao quatro igual. Depois, Manuel e o Torre Velha ganharam as últimas duas com facilidade.
Ao jogar a derradeira carta, sabendo que a vitória estava assegurada, Manuel sentiu uma tristeza tão grande como se aquela fosse a maior derrota da sua vida. De cada vez que partia alguém, a tristeza era tanto maior quanto menos gente restava na aldeia. E parecia que os que se despediam, indo, sentiam o mesmo e na mesma proporção que os que diziam adeus, ficando.
Os outros dois passaram a recordar aquele último serão como se tivesse sido uma das noites mais importantes da sua vida. O velho Amadeu garantia que fora sorte apenas, a do Manuel e do Torre Velha, que se apanhasse outra vez mestre João Bernardo à sua frente e com um baralho de cartas no meio dos quatro, eles haveriam de ver como perdiam num ai.
Num fim de dia, em que conversavam à porta da casa do Torre Velha, Manuel tirou um baralho da algibeira, embaralhou bem, disse àquele que partisse e mandou que o tio Amadeu desse cartas como se mestre João Bernardo estivesse ali. “És maluco”, disse o velho, no entanto obedecendo. Manuel pegou num envelope, meteu-lhe dentro as dez cartas restantes e explicou: “Vou mandar estas cartas ao mestre João Bernardo. O senhor Joaquim jogue uma, para eu lhe dizer e ele decidir qual a carta que há-de jogar.”
Perante o pasmo deles, explicou. Cada um guardaria as suas cartas, esperando a resposta do companheiro distante. Quando ela chegasse, juntar-se-iam os três e completariam a vaza. Depois, começariam outra e Manuel Cordovão escreveria novamente a dizer como fora. “Isso nunca mais acaba!” disse o velho Amadeu, mas mais em jeito de satisfação que de censura.
Cada resposta vinda da América demorava pelo menos duas semanas a chegar. Então os três homens juntavam-se em casa do Joaquim Torre Velha, com a mulher do tio Amadeu a fazer companhia a Maria da Graça, e esperavam com ansiedade a revelação da carta devolvida. Às vezes o serão de sueca não passava disso mesmo: Manuel abria o envelope, punha na mesa, em cima das outras três, a carta enviada por mestre João Bernardo, e, se era este que ganhava a vaza, arrumavam as suas e esperavam mais duas semanas. Quando era a vez de ele dar cartas, prevenia com antecedência se queria virar trunfo por baixo ou por cima, e o velho Amadeu dava por ele. Mas ficavam felizes como se não faltasse ninguém.
O velho Amadeu adoeceu quando estavam empatados a duas partidas, mas ele ia ganhando a quinta por três a um. Ainda aguentou o suficiente para viver até à penúltima vaza, que ganharia, e o jogo também, se mestre João mandasse um trunfo para cortar um rei jogado pelo Torre Velha. Não veio o trunfo. Mas Manuel trocou uma carta sua e mostrou-a ao quase moribundo como sendo a do companheiro. “Vocês ganharam, tio Amadeu.” O velho sorriu, feliz. Pela última vez, o velho Amadeu sorriu. Para que ele sorrisse durante mais uma partida, Manuel seria capaz até de roubar ouro.
Daniel de Sá, in "O Pastor das Casas Mortas

domingo, 17 de agosto de 2008

TABACARIA AÇORIANA

A Tabacaria Açoriana, quando o Gil ainda não tinha aberto, primeiro, o seu café, e depois a livraria, era ponto de encontro e local de tertúlia, principalmente aos domingos de manhã, para alguns especialistas de tudo e coisa nenhuma. À volta de um café e folheando jornais da terra, formavam-se grupos cujos elementos iam trazendo à baila acontecimentos locais, merecedores de comentário mexeriqueiro, no geral tudo gente aspirante a classe média.

Pontificava nessas manhãs, o Sargento Carradas, músico na Banda regimental, assim conhecido por ter sempre "carradas de razão", em tudo o que discutia. Era um homem dos mais prolixos que conheci, falava de tudo: de astronomia, navegação, invenções, e de… siderurgia.
Um dia, dissertando o Carradas sobre a produção de aço em Portugal (que não existia na época, a Siderurgia do Seixal só foi criada mais tarde) entusiasmado pela sua imaginação, e partindo de alguns elementos que conhecia sobre a matéria, começou a descrever como eram os "altos fornos" portugueses:
- Diz-se altos, pelas elevadas temperaturas necessárias à produção do aço.
Estava presente o meu pai, mestre do Ensino Técnico, homem circunspecto, de ouvir mais do que falar, mas que, na ocasião, não se conteve, e disse:
- Ó sargento, olhe que em Portugal não temos altos fornos, o ferro e aço com que trabalhamos é importado.O nosso músico não se atrapalhou, e retorquiu:
- Mestre Leonel, os nossos não são, de facto, muito altos, são mais baixos, mas existem!..
Era assim o Carradas.
A Açoriana tinha outra virtude, essencial para alguns dos jovens da minha geração: era um local de compra de livros e jornais do Continente; lá comprei, entre outros, o livro de Homem de Mello que, antes de Spínola, criticava a política africana. E lá passava, sempre expectante, para ver se já tinham chegado os jornais. O dono da Tabacaria era o Sr. Fernando que, felizmente, deixou o bichinho cultural aos filhos, seus sucessores no negócio, e anos mais tarde, organizadores de uma Feira do Livro, nas instalações da Tabacaria, que julgo ter sido pioneira em S. Miguel.
João Coelho [1]
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[1] Os meus agradecimentos a João Coelho por este precioso texto, que teve a gentileza de me autorizar a publicar aqui.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Alguém se lembra?

As Cavalhadas da Ribeira Grande
lembradas num selo desenhado por José Cândido
e emitido pelos Correios Portugueses,
em 11 de Maio de 1981

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

FESTAS DA GUARITA

FESTAS DO IMPÉRIO DOS INOCENTES DA GUARITA
Texto retirado de artigo de "a União",
publicado na Sábado, dia 26 de Julho de 2008,
em "Actualidade"
Fotos gentilmente cedidas pelo
Blogue "PORTO DAS PIPAS"
Mordomos 2008
Numa noite em que a chuva não quis perder a festa, cerca de duas centenas de pessoas juntaram-se no Império dos Inocentes da Guarita para a tradicional Ceia dos Criadores.
A ceia dos criadores
A noite começou com o tradicional Pezinho, animado por seis cantadores, onde se incluía o mais jovem intérprete dos Açores, naquela que foi a sua estreia numa celebração do Divino Espírito Santo.
Altar
A zona da Guarita tem a particularidade de, apesar de estar localizada dentro da cidade de Angra, “tem uma concepção rural na sua forma, temos vários lavradores e temos sempre os mesmo criadores”, revela Miguel Azevedo, um dos Mordomos deste ano. Talvez por isso, desde 1984 – ano em que o Império reabriu após as obras de restauração devido ao sismo de 1980 – “o Império da Guarita nunca mais comprou carne, e, independentemente dos Mordomos, tem funcionado sempre bem”, confidenciou à “a União” Manuel Martins (vulgo Ramalhete), ele próprio um dos criadores que desde essa data cria gado para a festa. A comissão deste ano conta com cinco pessoas com uma média de idades de 30 anos, contrariando a ideia que os mais jovens estão algo desfasados desta celebração.
Saída da Coroação
“Já tivemos aqui comissões mais jovens, o problema é manterem-se ligados ao Império devido às dificuldades de entendimento entre mais velhos e mais novos. Julgo que não é por má vontade, as vezes é preciso compreender que para os mais velhos os impérios são como se fossem a sua segunda casa”, refere Miguel Azevedo, admitindo que a comissão gostaria de voltar a repetir esta experiência que apelida de “muito divertida e onde se fica ligado às tradições de outra forma, aprendemos coisas sobre o culto do Espírito Santo todos os dias”. Sobre as festas deste ano, o Mordomo congratula-se pelo facto de ter sido possível reunir quase 200 pessoas na noite da Ceia dos Criadores, ainda para mais num ano “em que morreu muita gente na Rua da Guarita e circundantes e houve algum custo das pessoas se chegarem ao Império, mas penso que viram que o ambiente estava como dantes e conseguimos tê-las cá”, comenta, orgulhoso.
Os jovens Mordomos deste ano
Apesar da boa participação popular neste Império, o mesmo não se passa em muitos outros dentro da cidade. Segundo o Padre Dolores isso deve-se à despovoação de Angra do Heroísmo, onde “existem ruas que estão a ficar sem ninguém, já não existe o Império da Rua de Santo Espírito e o da Rua da Boa Nova está resumido ao terço por falta da população”.
Mordomos para 2009
O culto do Divino Espírito Santo pode-se dividir em três fases, assinala o Padre Francisco Dolores – Oração, Partilha e a Festa.
A Ceia dos Criadores enquadra-se na partilha. Os criadores, se deram carne para o Império, são os primeiros a ser convidados a partilhá-la juntamente com o pão, o vinho e as sopas do Espírito Santo, com toda a gente que participou e colaborou com o Império, um momento diferente das Funções já que estas “são a promessa de um jantar feita por um Mordomo no dia da Coroação”, esclarece o sacerdote. “Antigamente era a oportunidade para as pessoas, especialmente nas freguesias rurais, mas também na cidade, comerem carne, fora isso só nos casamentos ou no Natal, o mesmo se passava com o pão branco que a grande maioria da população só comia por esta altura. A esmola do Espírito Santo - com a bênção e entrega de carne, pão e vinho aos mais pobres, feita normalmente à sexta-feira, era um grande benefício”, recorda Francisco Dolores.
A Oração com o Terço do Espírito Santo ao longo dos oito dias em que a Coroa está no Império desde o cortejo da mudança até ao dia da coroação (normalmente um domingo), é outro dos momentos centrais do Culto, onde as pessoas vão agradecer pelo ano que passou e rezar pelos mortos. A terceira vertente, segundo o Padre Dolores, prende-se com a festa em si, há moda antiga com os foliões, “aqui mais com o Pezinho e os cantadores ao desafio”, refere o pároco.As filarmónicas são outra parte importante da festa, especialmente nos cortejos e na Terceira existe ainda um elemento fundamental - as touradas, “ que costumam marcar o encerramento das festas e que aqui são à corda, que foi a forma encontrada para se brincar com os touros de forma a que toda a população pudesse participar.