segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O 165º Aniversário do Nascimento dum Micaelense Ilustre

"Por saber e poder, que o homem comporte,
Somente o Amor harmónico pondera
A ideia e acção para vencer a morte."
Teófilo Braga, Doze de Inglaterra
© Museu da Presidência da República
TEÓFILO BRAGA
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Joaquim Teófilo Fernandes Braga [escritor, filólogo e político] nasceu em Ponta Delgada (S. Miguel), em 24 de Fevereiro de 1843.

Estudou Direito, em Coimbra. A partir de 1861, juntou-se à Geração de 70, grupo de intelectuais que criticava o estado da Nação e era a favor da implantação da República.

Quando, em 5 de Outubro de 1910, é proclamada a República, Teófilo Braga, que era deputado, foi escolhido para presidir ao Governo Provisório que governou Portugal, até ser eleito o primeiro Presidente da República.

Em menos de um ano, este Governo conseguiu: manter a ordem pública; tornar o novo regime mais forte e ser reconhecido pelos principais países estrangeiros; preparar as eleições para a Assembleia Constituinte, que elaboraria a Constituição Política da República Portuguesa. Os republicanos:

-Substituíram a bandeira (que, de azul e branca, passou a vermelha e verde);

-Adoptaram um novo hino nacional, A PORTUGUESA [nascida da onda de patriotismo que levantou os portugueses contra os ingleses, face ao Ultimato Inglês];

-Substituíram a moeda portuguesa, o real, pelo escudo;

-Reconheceram, aos trabalhadores, o direito à greve;

-Criaram novas leis da família, com mais direitos para as mulheres;

-Iniciaram uma reforma da Educação, estabelecendo o ensino obrigatório e gratuito, dos 7 aos 10 anos;

-Elaboraram a lei da separação da Igreja e do Estado.

Depois da Constituição ter sido aprovada e da eleição de Manuel de Arriaga [outro açoriano ilustre, mas do Faial] para primeiro Presidente da República Portuguesa, Teófilo Braga regressa ao seu lugar de deputado.

A 29 de Maio de 1915, depois dum complicado processo em que Manuel de Arriaga se vê obrigado a abandonar o cargo, Teófilo Braga vai substituí-lo, assumindo a presidência até à tomada de posse do novo presidente, Bernardino Machado, em 5 de Outubro de 1915.

Depois de abandonar a política, sozinho por morte dos seus familiares mais próximos, dedica-se à escrita. Ao longo da vida, escreveu mais de 300 livros.

Morre, no seu gabinete de trabalho, em Lisboa, em 28 de Janeiro de 1924.

"Como homem de máos instinctos que, forçada uma casa alheia, e entrando nella, lhe roubasse o melhor thesouro dos seus cofres, e sahisse com elle muito aconchegado ao peito, [...] assim nós, ha dias, sahiamos do gabinete de trabalho do nosso excellentissimo mestre, o snr. Theophilo Braga, depois de termos recebido da sua propria mão o primeiro volume da sua collecção, subordinada ao conceito de Alma portugueza, - que elle quiz iniciar, publicando primeiramente Os doze de Inglaterra. Era este livro o nosso thesouro que traziamos muito achegado ao peito.

Theophilo Braga pouco nos disse d'esta obra. [...]

O grande restaurador da litteratura portugueza dissera-nos apenas: - "Na minha obra, - dizem-me! - ha um sentimento patriotico que me consola." E mais nada.
Fernandes Agudo, THEOPHILO BRAGA e a "ALMA PORTUGUEZA",
Porto, Livraria Chardron, de Lello & Irmão, Editores, 1902
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Nesta fase tão pessimista da vida nacional, é bom lembrar homens generosos e honestos que lutaram por um Portugal mais justo e igual. Independentemente, dos resultados obtidos, tiveram um sonho grande e "viram e amaram a alma" da Nação portuguesa.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Seguir a UTOPIA

José Afonso [2 de Agosto de 1929 - 23 de Fevereiro de 1987]
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UTOPIA
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Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
Afaga a cantaria
Cidade do homem
Não lobo mas irmão
Capital da alegria
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Braço que dormes
Nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu, a ti o deves,
Lança o teu
Desafio
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Homem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
Nada disto custa.
Será que existe,
Lá para os lados do Oriente,
Este rio, este rumo, esta gaivota.
Que outro fumo deverei seguir
Na minha rota?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

30.º Aniversário da Morte VITORINO NEMÉSIO

Vitorino Nemésio, nascido em 19 de Dezembro de 1901, na Praia da Vitória (Ilha Terceira), morreu em Lisboa, no dia 20 de Fevereiro de 1978, tendo sido sepultado em Coimbra. Quem não se recorda do seu programa, na RTP, "Se bem me lembro..."? Só os mais novos é que podem não se lembrar...
Deixou uma vasta e variada obra.

"Mau Tempo no Canal", a sua grande obra em prosa, publicado em 1944, é considerado um dos maiores romances portugueses do século XX.

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Feio e teimoso bicho! Mas bicho firme, de um só rosto e de uma só fé — a fé refeita e salgada do fundo do Oceano Atlântico.”
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«Sou ilhéu; e, tanto ou mais do que a ilha, o ilhéu define-se por um rodeio de mar por todos os lados. Vivemos de peixe, da hora da maré e a ver navios... Na infância e na adolescência era o meu mais belo espectáculo. Quase todas as casas abastadas, nos Açores, estavam munidas de um velho óculo de alcance, e algumas de binóculos, com que se seguiam as chaminés dos paquetes e as árvores dos veleiros molhadas na linha do horizonte. Na nossa casinha de campo, na Vinha do Mão Roxa, sobre os vinhedos e lavas lambidas ao longe pela ressaca, meu pai, — músico e um pouco poeta, — trepava à varanda do telhado, sacava do grande búzio, ao pôr do sol, e metendo e tirando a mão direita na rosca corada do calcário, tirava-lhe dois aulidos alternos e melancólicos, intencionalmente repetidos, sinal de vida isolada dado à vizinhança do longe.”

Vitorino Nemésio, “Corsário das Ilhas

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

EDUARDO BETTENCOURT PINTO

Eduardo Bettencourt Pinto nasceu na Gabela, Sul de Angola, em 1954. Viveu em vários países após 1975, residindo actualmente no Canadá. É funcionário estadual, consultor informático e editor da revista literária “Seixo review”, na Internet. Escreve para publicações no Canadá, Estados Unidos, Portugal e Brasil. Publicou vários livros de poesia e ficção. ******************** Graças ao Urbano Bettencourt, descobri este outro Bettencourt, cuja família, presumo, é originária do Nordeste.
Dele diz Urbano: É por isso que me sinto grato ao Eduardo Bettencourt Pinto pela sua poesia destes anos, com a qual ele nos tem revelado a harmonia do mundo para lá das ruínas e das sombras do quotidiano, ao mesmo tempo que com ela fomos descobrindo outros sentidos para a língua que falamos.
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Um Amigo
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Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que
cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.
***
Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e nos exílios,
***
onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca de luz.
Eduardo Bettencourt Pinto, "Da Outra Margem"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

"Era um génio e era um santo"

ANTERO DE QUENTAL
[Ponta Delgada, 18 de Abril de 1842
Ponta Delgada, 11 de Setembro de 1891]

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TENTANDA VIA
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I
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Com que passo tremente se caminha
Em busca dos destinos encobertos!
Como se estão volvendo olhos incertos!
Como esta geração marcha sozinha!
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Fechado, em volta, o céu! o mar, escuro!
A noite, longa! o dia, duvidoso!
Vai o giro dos céus, vem vagaroso...
Vem longe ainda a praia do futuro...
***
É a grande incerteza, que se estende
Sobre os destinos dum porvir, que é treva...
É o escuro terror de quem nos leva...
O futuro horrível que das almas pende!
***
A tristeza do tempo! o espectro mudo
Que pela mão conduz... não sei aonde!
– Quanto pode sorrir, tudo se esconde...
Quanto pode pungir, mostra-se tudo. -
***
Não é a grande luta, braço a braço,
No chão da Pátria, à clara luz da História...
Nem o gládio de César, nem a glória...
É um misto de pavor e de cansaço!
***
Não é a luta dos trezentos bravos,
Que o solo amado beijam quando caem...
Crentes que traz um Deus, e à guerra saem,
Por não dormir no leito dos escravos...
***
É a luta sem glória! é ser vencido
Por uma oculta, súbita fraqueza!
Um desalento, uma íntima tristeza
Que à morte leva... sem se ter vivido!
***
Não há aí pelejar... não há combate...
Nem há já glória no ficar prostrado –
São os tristes suspiros do Passado
Que se erguem desse chão, por toda a parte...
***
É a saudade, que nos rói e mina
E gasta, como à pedra a gota d'água...
Depois, a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...
***
Tristíssimas ruínas! Entristece
E causa dó olhá-las – a vontade
Amolece nas águas da piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.
***
Cada pedra, que cai dos muros lassos
Do trémulo castelo do passado,
Deixa um peito partido, arruinado,
E um coração aberto em dois pedaços!
***
II
***
A estrada da vida anda alastrada
De folhas secas e mirradas flores...
Eu não vejo que os céus sejam maiores,
Mas a alma... essa é que eu vejo mais minguada!
***
Ah! via dolorosa é esta via!
Onde uma Lei terrível nos domina!
Onde é força marchar pela neblina...
Quem só tem olhos para a luz do dia!
***
Irmãos! irmãos! amemo-nos! é a hora...
É de noite que os tristes se procuram,
E paz e união entre si juram...
Irmãos! irmãos! amemo-nos agora!
***
E vós, que andais a dores mais afeitos,
Que mais sabeis à Via do Calvário
Os desvios do giro solitário,
E tendes, de sofrer, largos os peitos;
***
Vós, que ledes na noite... vós, profetas...
Que sois os loucos... porque andais na frente...
Que sabeis o segredo da fremente
Palavra que dá fé – ó vós, poetas!
***
Estendei vossas almas, como mantos
Sobre a cabeça deles... e do peito
Fazei-lhes um degrau, onde com jeito
Possam subir a ver os astros santos...
***
Levai-os vós à pátria-misteriosa,
Os que perdidos vão com passo incerto!
Sede vós a coluna de deserto!
Mostrai-lhes vós a Via-dolorosa!
***
III
***
Sim! que é preciso caminhar avante!
Andar! passar por cima dos soluços!
Como quem numa mina vai de bruços
Olhar apenas uma luz distante!
***
É preciso passar sobre ruínas,
Como quem vai pisando um chão de flores!
Ouvir as maldições, ais e clamores,
Como quem ouve músicas divinas!
***
Beber, em taça túrbida, o veneno,
Sem contrair o lábio palpitante!
Atravessar os círculos do Dante,
E trazer desse inferno o olhar sereno!
***
Ter um manto da casta luz das crenças,
Para cobrir as trevas da miséria!
Ter a vara, o condão da fada aérea,
Que em ouro torne estas areias densas!
***
É, quando, tem temor e sem saudade,
Puderdes, dentre o pó dessa ruína,
Erguei o olhar à cúpula divina,
Heis-de então ver a nova-claridade!
***
Heis-de então ver, ao descerrar do escuro,
Bem como o cumprimento de um agouro,
Abrir-se, como grandes portas de ouro,
As imensas auroras do Futuro!
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Aconselho ouvir "A NOITE", de
José Mário Branco, com base neste
poema do meu "enorme" e amado Antero

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

PORQUE OS AFECTOS SÃO O MAIS IMPORTANTE DA VIDA...

Para todos os meus amigos
e amigas, desejo o que há
de melhor no mundo:
O AMOR PERFEITO!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Porque tudo na vida é política...

Carta Aberta ao Presidente Carlos César
Vivi alguns anos em S. Miguel e apaixonei-me, sem remédio pelas “Ilhas”. Os Açores são, para mim, uma espécie de Paraíso que eu gostaria de ver como símbolo do que é bom e belo no Planeta. Infelizmente, não restam muitos lugares assim.
Os Açorianos, por vezes, pensam que vivem mal, que precisam de se tornar iguais aos outros para serem felizes. Como se enganam! A qualidade da vida que têm é um bem que muitos gostariam de ter. É evidente que há coisas a melhorar e que todas as pessoas têm direito aos bens essenciais e a viver com dignidade.
As notícias que me têm chegado nos últimos dias, contudo, fazem-me temer o futuro das minhas “Ilhas Encantadas”.
Transcrevo apenas excertos de artigos de dois jornais. Quero esclarecer que, nomeadamente no caso do artigo (completo) do Tomaz Dentinho, não me liga ao seu autor qualquer afinidade política. Pelo contrário, faz afirmações e tem opiniões com as quais estou em absoluto desacordo. No entanto, tenho de reconhecer que tem razão nos dois ou três aspectos que cito.
Dirijo-me ao Senhor Presidente porque, apesar de me situar à esquerda do Partido a que pertence, reconheço no senhor um homem de bem, digno e sério. Sobretudo, acredito que quer o melhor para a sua região. No entanto, nem sempre o melhor é o dinheiro (“Ah! Mònim dum corisco!) ou a subserviência.
Por favor, proteja as nossas ilhas da cobiça e dos interesses estrangeiros e da incompetência nacional! Não queira ficar na História por colaborar em verdadeiros atentados, esses sim, contra a Humanidade.
Terá, com certeza, muita gente a apoiá-lo na luta para travar os disparates do Governo Central e a ganância prepotente dos que se julgam senhores do Mundo.
Quero dizer-lhe que uma das coisas que, ainda hoje, mais me magoa é ver o nome dos Açores associado à Invasão do Iraque.
As ilhas dos Açores transmitem harmonia, paz, serenidade, bem-estar. É esse o papel de que a Natureza as incumbiu: o de transmitir aos Homens a esperança de que ainda é possível ser feliz na Terra.
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Face à possibilidade de ser criada nos Açores uma base de treino para os novos caças norte-americanos e para o sistema de armamento de mísseis hipersónicos, “a região está disponível para aceitar que a Base das Lajes tenha novas funcionalidades de futuro, no âmbito da relação bilateral que já existe entre os EUA e Portugal”. Quem o diz ao Destak é o representante do Governo Regional na Comissão Bilateral Permanente do Acordo das Lajes.
André Bradfort acrescenta, no entanto, que “esta hipótese terá de ser avaliada na presença de um projecto concreto” e que ainda é muito cedo para se falar disso. […]
As conversações entre os dois países foram ontem confirmadas pela embaixada dos EUA em Lisboa. Em declarações à TSF, coube ao conselheiro para a imprensa e cultura da Embaixada dos EUA, Wesley Carrington, garantir que “tem havido conversações”, mas não “negociações” sobre esta ideia, que também tem sido explorada com outros parceiros da NATO. […]
No entanto, o Ministério da Defesa, contactado pelo Destak, negou a existência de “conversações directas ou indirectas” sobre a criação de uma base de treinos militares dos EUA nos Açores. Este ministério sublinha ainda que, até ao momento, não chegou ao gabinete qualquer pedido sobre esta matéria.
Patrícia Susano Ferreira (jornal Destak)
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As notícias são recentes e angustiantes: a condescendência ao Tratado Europeu que transfere para a competência comunitária a gestão exclusiva da biodiversidade marinha; o último acordo Luso-espanhol que permite a invasão de atuneiros espanhóis nos mares dos Açores; e, para finalizar, a perspectiva de criar nos Açores uma base americana para testes de armas com óbvios impactos nos recursos marinhos, na potencialidade logística e na atractividade turística. […]
Mas se o mar está a ser alienado para os Europeus, a posição estratégica e a potencialidade turística está a ser dada aos americanos. Venham os testes de armas para os mares dos Açores para que o ruído dos jactos americanos perturbe os passeios pedestres dos turistas europeus e se demonstre que a biodiversidade marinha, vendida aos europeus, pode ser perturbada pelos americanos em retirada do Médio Oriente. Os estrategas nacionais querem assim balancear as forças de um lado e de outro do Atlântico. Ficam contentinhos com um passeio a Washington e com alguma sucata que nos chegue do desastre iraquiano. Porventura o que nos resta é sair da Europa para salvar Portugal.
Tomaz Dentinho (jornal A União)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

URBANO BETTENCOURT e o gosto das palavras

Às vezes, dá-me saudades dos anos sessenta. E não será tanto a vaga nostalgia dessa "adolescência que nunca ninguém tem a não ser quando a relê num livro" (como escreve Joaquim Manuel Magalhães num belíssimo poema) e nem talvez num qualquer sentimento de desencanto de quem perdeu as flores que Scott McKenzie nos pusera nos cabelos antes de entrarmos em San Francisco, de cujos caminhos acabámos, aliás, por desviar-nos, sem nunca lá termos chegado. Não, não será por isso que às vezes sabe bem olhar para trás e, nessa pausa do tempo, recuperar algum do apaziguamento interior, da ingenuidade mesmo, que os anos foram transtornando e subvertendo até; aquilo que continua a chamar-me, nesse regresso, será muito mais a possibilidade de confrontar-me, trinta anos depois, com a pura sensação de quem vê as suas próprias palavras estampadas em letra de forma nas páginas dos jornais. E aqui, sim, poderá insinuar-se a nostalgia pelo tempo de um olhar optimista sobre a imprensa e que talvez fosse, afinal, o sinal de uma confiança mais vasta, de uma crença na possibilidade de transformação do gosto, da vontade e do desejo; é decerto a limpidez desse olhar antigo que me atrai ainda, sobretudo quando em confronto com alguma perversidade que se atravessa no meu olhar de hoje sobre a imprensa, os seus jogos, o seu tédio.
Urbano Bettencourt, "O Gosto das Palavras III"
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Urbano Bettencourt nasceu na Piedade, Ilha do Pico, em 1949. Frequentou o Seminário de Angra, que abandonou, vindo posteriormente a licenciar-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, depois de uma experiência de dois anos de guerra colonial na Guiné-Bissau. Professor do Ensino Secundário na margem sul do Tejo e em Ponta Delgada e, desde 1990, Assistente Convidado da Universidade dos Açores, onde tem leccionado Literatura Portuguesa Clássica, Estudos Literários e Literatura Açoriana. Tem colaboração dispersa por jornais, revistas, rádio e televisão, para a última das quais adaptou, com José Medeiros, o romance Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. Algumas obras: Raiz de Mágoa (poesia); Ilhas (narrativas), de parceria com Santos Barros; Marinheiro com residência fixa (poesia, narrativas); O Gosto das Palavras I, II e III(ensaios); Naufrágios Inscrições (poesia, narrativas); Emigração e Literatura (ensaio); Algumas das Cidades (poesia, narrativas).

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

De VAGAR... precisa-se!

Do Meu Vagar

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Já não há mais o vagar

de quando se comia sentado

e devagar se caminhava

até chegar a qualquer lado

agora vai toda a gente sempre

de mão na buzina

sempre na linha da frente

a tremer de adrenalina

*****

Do meu vagar não traço rotas

não tenho trilho que me prenda

não tiro dados nem notas

não encho uma linha de agenda

do meu vagar não chego a Meca

não faço nada num só dia

não corto a fita da meta

não vejo Roma nem Pavia

*****

Do meu vagar

sei que nunca hei-de ir longe

vou aonde for preciso

vou indo no meu vagar

em busca do tempo perdido

e se um dia o encontrar

o longe não faz sentido

*****

Do meu vagar há um nicho

um pico de ilha insubmersa

onde há lugar para o capricho

que dá pelo nome de conversa

do meu vagar a paisagem

ainda tem beleza em bruto

e vale mais uma palavra

que mil imagens por minuto

*****

Do meu vagar

sei que nunca hei-de ir longe

vou aonde for preciso

vou indo no meu vagar

em busca do tempo perdido

e se um dia o encontrar

o longe não faz sentido

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Carlos Tê [in LADO LUNAR, de Rui Veloso]

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Vamos "Cantar às Estrelas"?

Igreja Matriz (N. Sr.ª da Estrela)
Foi no ano 2000 que, estando a trabalhar na sala dos professores da minha escola, ao fim da tarde, ouvi pela primeira vez alguém dizer que, à noite, iam cantar às estrelas. Fiquei agradavelmente surpreendida. Coisa linda: cantar às estrelas...
Soube depois que se tratava da Festa de Nossa Senhora da Estrela, cuja imagem deixa por umas horas a Igreja Matriz e sai à rua, até à Câmara Municipal, onde o povo se reúne para a festejar.
Lembro-me que havia vários grupos que, juntando-se na Ribeira Seca, percorriam a Rua Direira (Rua El-rei D. Carlos I), tocando, cantando e recebendo presentes (comida e bebidas) de alguns dos moradores, enquanto se dirigiam aos Paços do Concelho. Aí se encontrava um palco, onde actuavam os grupos, filmados pela RTP Açores.
Penso que, pelas 5 horas da manhã se celebrava missa. Aliás, tenho a ideia de que a maior parte das missas das festas religiosas se celebravam a esta hora. Nunca percebi porquê. Ou melhor, tentei arranjar uma explicação: o hábito de, no passado, os agricultores estarem habituados a começar o trabalho muito cedo, mesmo nos dias que se seguiam às festas.

Nos dias seguintes (ou anteriores?), nalgumas aldeias e durante a noite, ouvia-se ao longe o canto difuso de grupos de cantadores. Receio estar a confundir e até agradeço que alguém me esclareça. Penso que esta festa "das estrelas" encerra o período natalício e, portanto, é mais lógico que esses cantares nocturnos se realizem entre o Natal (ou Ano Novo) até agora.

Lamento não ter conseguido encontrar as fotografias que tenho da festa para as poder pôr aqui.

Ficam estas que, apesar de não serem boas, dão uma ideia da cidade da Ribeira Grande, que acho muito bonita.

Para terminar, um recado para uma amiga (?) que, mazinha como as cobras, teve o desplante de me mandar, pelas 13h18m de hoje, a seguinte mensagem: "Aqui estou eu a comer uma malassada!".

Come agora outra, por mim, e canta "até que a voz te doa" às estrelas... Há lá coisa mais poética!...

Uma noite em grande para todos os ribeiragrandenses e visitantes!