sábado, 31 de maio de 2008

O culto do Espírito Santo 1

in "Azorean Spirit" , Sata Magazine
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[…] Via-se em Monterey, saindo de casa para a Escola Dominical, e depois viu uma lenta procissão de crianças portuguesas, vestidas de branco, marchando em honra do Espírito Santo, guiadas por uma rainha coroada. […]
John Steinbeck, A Um Deus Desconhecido, 1933
***************************************************************************** Altar do "Império" de S. Sebastião da Terceira, com a coroa do do Espírito Santo e a imagem da Rainha Santa Isabel in "Lugares Mágicos de Portugal e Espanha"
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Um outro olhar...
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O culto do Espírito Santo, nos Açores, está vivo e pode ser uma experiência mágica visitar as ilhas nas sete semanas entre a Páscoa e o Domingo de Pentecostes.
Este culto, agora popular, tem, no seu mistério, algo de prospectivo, algo dos novos caminhos ecuménicos, tão necessários à relação harmoniosa entre as diversas culturas humanas.
O culto do Espírito Santo recebeu, em Portugal, um forte impulso no reinado de D. Dinis (1261-1325) e da rainha D. Isabel de Aragão (1271-1336).
D. Dinis, rei trovador e civilizador, nunca aceitou as acusações e perseguições feitas aos cavaleiros templários e, após difícil campanha diplomática, conseguiu que o papa João XXII autorizasse a criação da Ordem de Cristo, que integrou os Templários portugueses, permitindo, assim, a continuação do seu trabalho no Reino.
Pensa-se que D. Isabel trouxe, quando veio para Portugal, um importante segredo, com origem na Ordem do Templo, cujo destinatário é D. Dinis. Quando, mais tarde, o rei de França manipula monarcas e papas para a cruel e violenta extinção dos Templários, D. Dinis acolhe os monges foragidos, alberga os seus tesouros e esconde os seus conhecimentos, que passam à Ordem de Cristo.
Foi precisamente nesse período do primeiro quartel do século XIV que sua mulher, a quem o povo veio a chamar de Rainha Santa Isabel, em cooperação com os Franciscanos e com a recente Ordem de Cristo, deu um forte impulso ao culto do Espírito Santo que, em Portugal, adquiriu uma especificidade muito própria, integrando elementos claramente heterodoxos e até pré-cristãos. Dá a ideia que com a supressão da Ordem Templária, algo dos seus rituais se exoterizou neste culto pentecostal.
São os novos cavaleiros da Ordem de Cristo que expandem este culto na zona da sua influência, no território português. O fogo e a coroa, a pomba e o ceptro, o convívio fraterno e a laicidade espiritual, povoam os lugares templários, agora domínio da Ordem de Cristo.
Um século mais tarde, o culto do Espírito Santo toma o caminho do Ocidente, instalando-se nas ilhas atlânticas.
Seria a Ordem de Cristo que, nos Açores, veio a ter o exclusivo do governo espiritual em dependência do centro mítico de Tomar que, por sua vez, apenas dependia do Papa. De assinalar o facto de Angra do Heroísmo ter sido, inicialmente, construída segundo o modelo urbanístico de Tomar, a cidade templária por excelência. Durante um século, os Cavaleiros de Cristo puderam modelar os ritos paracléticos nas ilhas.
Depois, o Portugal Mítico começa a definhar graças à intervenção da Inquisição, no séc. XVI, mas o Divino Espírito Santo já está de tal modo arreigado no sentir e no viver dos açorianos que venceria todos os obstáculos levantados pelo clero oficial.
No séc. XVIII, o culto do Espírito Santo foi revitalizado, na cidade de Lisboa, por açorianos. E foram, também, os açorianos que o levaram para o continente americano, tendo chegado aos confins da Califórnia, onde açorianos ricos chegaram a oferecer bodos para vinte mil pessoas.
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Fontes: Paulo Alexandre Loução,
Lugares Mágicos de Portugal e de Espanha”; Maria Helena Ventura, “Onde Vais, Isabel?”

domingo, 25 de maio de 2008

Francisco Ferreira Drummond

Igreja de S. Sebastião
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Nasceu na vila de S. Sebastião (Terceira), a 21 de Janeiro de 1796, tendo sido baptizado, na respectiva Matriz, a 27 desse mesmo mês.
Era filho de Tomé Ferreira Drumond, lavrador abastado, e Rita de Cássia, ambos residentes na Vila de S. Sebastião, em cuja Matriz foram também baptizados.
A família Drumond estava, então, intimamente ligada ao magistério primário e à governança da Vila de S. Sebastião, tendo a presidência da Câmara sido ocupada por seu pai (em 1821). O seu irmão, o capitão de ordenanças José Ferreira Drumond, dominou a vida política local durante várias décadas.
Ferreira Drumond desde a infância que revelou decidida vocação para as letras e para a música. Depois da instrução primária, estudou latim, lógica e retórica (disciplinas próprias do ensino da mocidade culta de então e as únicas disponíveis na sua vila natal ). Muito estudioso, procurou constantemente aumentar a sua instrução literária e artística, o que lhe foi facilitado pelo meio familiar em que viveu.
Com apenas 15 anos, foi nomeado para o cargo de organista da Matriz da Praia.
Cedo aderiu à causa liberal, tendo sido eleito pelo novo sistema constitucional, em 1822, secretário da Câmara Municipal de S. Sebastião. Tal eleição valeu-lhe grandes dissabores, tendo, para escapar às perseguições dos absolutistas, fugido da Terceira, durante a noite, numa embarcação que o levou à ilha de Santa Maria, de onde passou a Ponta Delgada, dali partindo, com passagem pela Madeira, para Lisboa.
Depois de um ano de exílio voltou à Terceira, tendo participado activamente em todo o desenrolar da guerra civil nesta ilha, que depois tão bem descreveu nos seus Anais da Ilha Terceira.
Desempenhou, ainda em S. Sebastião, os cargos de escrivão dos órfãos, secretário da Administração do Concelho, e tabelião. Em 1836 foi eleito Presidente da referida Câmara, tendo desempenhado essas funções até 1839. Nesse ano foi eleito Procurador à Junta Geral.
Exerceu também, durante vários anos, o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia.
Distinguiu-se na luta contra a extinção do concelho de S. Sebastião, extinção que, em boa parte graças à sua actividade, apenas se consumou em 1 de Abril de 1870, apesar de decretada em 24 de Outubro de 1855.
Algumas das mais importantes obras da antiga Câmara de S. Sebastião foram iniciativa sua, nomeadamente a captação das nascentes do Cabrito e o seu aproveitamento para moagem, naquela época a maior obra hidráulica da Terceira e uma das maiores dos Açores.
Faleceu em 11 de Setembro 1858, contando 63 anos incompletos de idade, na casa que tinha aforado da Santa Casa da Misericórdia, na Travessa da Misericórdia, onde hoje está a lápide comemorativa. Esta casa foi recentemente adquirida pela Santa Casa da Misericórdia local, estando para breve previsto o seu restauro e transformação em biblioteca associada da rede de leitura pública.
Francisco Ferreira Drumond foi homenageado em 1951 com um pequeno monumento localizado no Rossio, Vila de S. Sebastião.
O seu trabalho histórico ocupa um lugar cimeiro na historiografia açoriana, sendo a base de boa parte das obras sobre a história dos Açores, em particular sobre a história da ilha Terceira.
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Obras publicadas
  • Memória Histórica da Capitania da Praia da Vitória — editado pela Câmara Municipal da Praia da Vitória em 1846, Praia da Vitória. A obra foi reeditada inserta na colectânea Memória Histórica do Horrível Terramoto de 15.VI.1841 que Assolou a Vila da Praia da Vitória, edição da Câmara Municipal da Praia da Vitória, 1983.
  • Anais da Ilha Terceira — obra escrita segundo o critério cronológico típico dos Anais, cobrindo o período desde a descoberta e povoamento da ilha até 1850. Foi oferecida à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que a editou em 4 volumes, contendo 510 de documentos. O volume I foi publicado em 1850; o vol. II em 1856; o III em 1859; e o IV, póstumo, em 1864. Reeditado, em fac-símile da edição original, pela Secretaria Regional da Educação e Cultura, Angra do Heroísmo, 1981.
  • Apontamentos Topográficos, Políticos, Civis e Eclesiásticos, para a História das Nove Ilhas dos Açores - obra inacabada deixada em manuscrito. Após um conturbado percurso, a obra foi editada em 1990 pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Miradouro da PONTA DO SOSSEGO

Por que não um passeio até ao Nordeste, no próximo fim-de-semana? Aqui ficam algumas fotografias, tiradas na Ponta do Sossego, no passado dia 10 de Abril.
O azulejo português sempre presente.
A entrada.
Povoação de que não sei o nome. Será Pedreira?
O mar em tons de azul.
A lindíssima costa nordestina.
Jardim
A poesia para rematar.
Lindo, não é? Para os que não estiverem em S. Miguel, sempre podem deliciar-se, ou matar saudades, aqui.

sábado, 10 de maio de 2008

Lendas dos Açores 4

Foto Maurício Abreu
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O Menino do Coro e a Pomba
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No tesouro da Sé de Angra do Heroísmo há uma curiosa imagem de Santo António com a vestimenta de menino de coro. Os menos avisados surpreendem-se, decerto não suspeitando de que se trata de um ex-voto. E a lenda conta-nos que isto já vem do século XVII, num qualquer dia de festa na catedral.

Um mestre de capela, nervoso porque aquilo tinha de estar tudo nos conformes, zangou-se a valer com um dos meninos do coro, ameaçando bater-lhe. Apavorada, a criança andou a fugir pelas dependências, até que enfiou para as altas torres. Mas não encontrava onde ocultar-se, pelo que subiu as escadas que lhe faltavam para o ponto mais alto da maior das torres, e, sentindo o mestre de capela na peugada, lançou-se.

Terá valido um vento muito especial que tomou o menino do coro nos seus braços, usando-lhe a opa da função, e, passando três ruas, foi depositar o corpo do espavorido no telhado do Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde as religiosas o recolheram. O pai, emocionado, mandou fazer a referida imagem e levou-a à Sé. Esteve exposta alguns anos antes de dar entrada no tesouro. No entanto, para o menino do coro estava reservado outro voo, ser padre.

Já agora continuamos no século XVII, exactamente em 1640, na altura da aclamação de D. João IV como novo rei de Portugal. Tendo assistido na capital do reino às referidas solenidades, D. Francisco Ornelas da Câmara, capitão-mor de Vila da Praia, regressou à sua ilha Terceira com a missão de tomar aos espanhóis o Castelo de Angra, que eles ainda retinham em seu poder. Não foi fácil a missão, porque durou 11 meses o cerco e as frequentes batalhas e escaramuças não davam os resultados almejados pelos portugueses. Os espanhóis do castelo passavam privações tais que chegaram a comer ratos. Por fim, houve um acordo de rendição e a bandeira portuguesa foi hasteada no Castelo de Angra, retirando-se os espanhóis. Porém, as intrigas na nova corte já tinham começado, e o marquês de Castelo Rodrigo conseguiu que Ornelas da Câmara e outros fidalgos da Terceira fossem encarcerados. Profundamente cristão, Francisco Ornelas viveu com os seus companheiros as amarguras da prisão. Evocava Deus e oferecia-lhe o seu sacrifício. A sua filha, Emília de Ornelas, também orava. Mas parecia nada resultar, que a sentença foi de morte. Os condenados apelaram para os tribunais da corte. Os debates demoraram dias, pois os juízes achavam os autos pouco claros. Por fim, o Tribunal da Relação de Lisboa ratificou a sentença. No entanto, quando o presidente ia assiná-la, entrou pela janela uma pomba branca, que, voando rente à mesa, voltou o tinteiro, tornando elegível o que estava escrito. Confundidos com o que acabara de suceder, os juízes declararam ter aquilo sido um sinal de Deus. E reescreveram a acta, mas em sentido oposto: a absolvição dos réus. Devoto do Espírito Santo, Ornelas da Câmara prometeu dar todos os anos um grande bodo aos pobres, que ele servia descalço, e edificar aquela Ermida do Espírito Santo, que lá está na Rua dos Quatro Cantos, em Angra. E no seu brasão incluiu o emblema do Senhor.

José Viale Moutinho, Lendas dos Açores

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O Senhor Santo Cristo dos Milagres

O Convento de Nossa Senhora da Conceição, na Caloura (Água de Pau) teria sido fundado pelas filhas de Jorge da Mota, de Vila Franca do Campo. Pensa-se que foi o primeiro convento feminino da ilha de S. Miguel.
Por volta de 1520, duas religiosas deslocaram-se a Roma para pedir, ao Papa, a Bula Apostólica necessária. O Papa Paulo III não só lhes concedeu o documento que permitia a fundação do convento, como lhes ofereceu uma imagem do Ecce Homo.
Em 1541, devido ao isolamento e ao perigo de ataques piratas, as últimas ocupantes deste convento da Ordem de Santa Clara, mudaram-se para o Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada, acabado de fundar pela viúva do Capitão Donatário, Rui Gonçalves da Câmara.
A imagem do Senhor Santo Cristo, oferecida pelo Papa, não ficou esquecida na Caloura, porque a religiosa galega, Madre Inês de Santa Iria, a levou para Ponta Delgada.
O interior da Igreja
A devoção de Madre Teresa da Anunciada (25 de Novembro de 1658/16 de Maio de 1738), os sismos frequentes e a constante actividade vulcânica (que levavam o povo a refugiar-se na fé) intensificaram o culto ao Senhor Santo Cristo.
A primeira procissão realizou-se em 1700 e, diz-se que pôs fim a uma série de tremores de terra.
A imagem encontra-se, desde então, no “Coro Baixo”, ao fundo da Igreja de Nossa Senhora da Esperança. Esta é muito expressiva e consoante os modos como a luz lhe incide, parece que varia os sentimentos que transmite.
Procissão de 2001
Numa enorme manifestação de fé e devoção, as festas do Senhor Santo Cristo realizam-se no quinto domingo após a Páscoa. As ruas de Ponta Delgada por onde passa a procissão, que demora cerca de 5 horas, enchem-se de tapetes de flores.
Na madrugada de sábado, os fiéis pagam as suas promessas, muitas vezes de joelhos.
Nesses dias, é bem visível a presença de emigrantes açorianos que se encontram nos Estados Unidos e no Canadá.

Esclarecimento de Daniel de Sá, que permitirá corrigir alguns factos do primitivo texto, baseado na história tradicional. Desde já, os meus agradecimentos ao amigo, e escritor querido, Daniel de Sá.

Sobre o Senhor Santo Cristo
(A propósito de uma notícia publicada na imprensa)

Com o respeito devido a quem terá dado as informações constantes em notícia deste jornal (08/02/2012), sobre as próximas festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, tento, uma vez mais, chamar a atenção para os erros óbvios que a história tradicional de tão sagrada devoção contém.
Em tal notícia se repete uma evidente impossibilidade, a de que a primeira procissão tenha sido em 1700. Desse cortejo, quase espontâneo, sabe-se que foi a onze de Abril e em dia de trabalho. E, naquele ano de 1700, o dia onze de Abril foi Domingo de Páscoa.
Também é dito que a procissão se repete há mais de três séculos, sempre no quinto Domingo depois da Páscoa. No entanto, a primeira terá sido, provavelmente, na 6ª-feira que se seguiu ao Domingo de Pascoela de 1698, e a segunda no Sábado, 16 de Dezembro (e não 17, como diz o padre José Clemente no livro sobre a vida de Madre Teresa) de 1713, para implorar a Deus o fim de uma crise sísmica em São Miguel. Da terceira e das seguintes nada se sabe. Nem o ano nem o dia. Mas não terão acontecido pelo menos na primeira metade do século XVIII.
A lenda da origem da belíssima imagem continua também a sobrepor-se à razão mais elementar. A versão tradicional é a de haver sido oferta do Papa Paulo III, feita a duas jovens que teriam ido a Roma pedir a bula para fundação do mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, em Vale de Cabaços. Eis, sintetizadas, as razões que nos dão a certeza de que tal viagem não se verificou:
Era impensável, naquele tempo, quase impossível, a ida de duas jovens dos Açores a Roma;
Gaspar Frutuoso, que conta em pormenor a criação do convento, não alude a qualquer viagem ao Vaticano, seja delas ou de alguém por elas;
O convento foi fundado durante um terrível período de peste em São Miguel, desgraça que se seguiu à subversão de Vila Franca, tendo terminado apenas em 1530, tempo durante o qual a ilha esteve isolada, só se verificando para o exterior as viagens absolutamente essenciais;
Finalmente, e razão que bastaria para negar a origem atribuída a tão sagrada imagem, o Papa Paulo III foi eleito em 13 de Outubro de 1534, depois, portanto, de construído o convento.

P.S. – É estranho que, sendo os factos que negam a história tradicional tão evidentes, a lenda se tenha mantido até agora, e sabe Deus até quando. Por um lado, têm o muito frágil suporte do livro do padre José Clemente, um bem intencionado que parece que nunca esteve sequer em São Miguel, ilha a respeito da qual estava convencido de que nevava. Por outro lado, há a autoridade muito respeitável de Urbano de Mendonça Dias. Mas o ilustre investigador a quem tanto devemos também se enganou algumas vezes, como é óbvio no caso da data da primeira procissão do Senhor Santo Cristo. Ou, por exemplo, quando escreveu que a Maia não foi elevada a vila por ter sido em grande parte destruída por um incêndio. Ora aquele notável investigador fez, neste ponto, uma grave confusão. Gaspar Frutuoso, usando a linguagem do tempo, tanto se referia a um vulcão como terramoto ou como incêndio. E é assim que explica que a Maia teria sido vila se “não fora o incêndio segundo”, ou seja, a erupção da lagoa do Fogo, em 1563, cujas cinzas destruíram searas e outras culturas, deixando a terra estéril durante alguns anos.

Daniel de Sá

quinta-feira, 1 de maio de 2008