terça-feira, 26 de agosto de 2008

MARGARIDA MADRUGA

Maria MARGARIDA Vieira de Bem MADRUGA, nasceu a 11 de Novembro de 1945, nas Lajes do Pico (S. João).
Começou a pintar a óleo aos 13 anos, para parentes na América. De 1966 a 1972, já em Lisboa, fez banda desenhada. Terminou o curso de Arquitectura em 1972, trabalhando, exclusivamente como arquitecta, até 1994, quando retomou a pintura, a sua grande paixão. De reconhecido talento, expôs nos Açores, Continente e Galiza.

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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Carta de América

Mestre João Bernardo era sapateiro e ferrador. Calçar apenas criaturas humanas ou irracionais não seria suficiente para garantir o seu sustento e o da família, e por isso aprendeu as duas artes. Mas, para não ofender as pessoas, definia-se como um sapateiro que também calçava animais, porque, se dissesse de si mesmo que era um ferrador que também calçava gente, isto seria decerto tomado como ofensa à sensível dignidade dos bípedes pensantes.
Foi-se embora deixando a oficina dupla sem nada levar dela. A fornalha estava tão pronta a acender como todo o material em condições de ser usado. Qualquer um que o soubesse fazer reanimá-la-ia em momentos.
Foi em sua casa que se jogou o último desafio de sueca na serra. Ainda lá estavam a mesa, as cadeiras e até a garrafa com o resto da aguardente.
Com a partida de mestre João Bernardo, no dia seguinte, não ficariam na aldeia mais do que três homens: o tio Amadeu, o Joaquim Torre Velha e Manuel Cordovão. Por isso aquele serão de sueca e despedida teve honras de mutismo em velório que nem os cálices de aguardente animaram.
Os parceiros haviam sido sorteados dando uma carta a cada um. Manuel e o Joaquim Torre Velha ficaram com as duas mais baixas, e por isso formaram equipa.
Manuel preferia tê-lo como adversário, porque, se ganhasse, isso seria uma pequena vingança, embora insignificante pelo muito que o outro lhe devia de uma vida inteira vivida ao contrário do que tanto desejara. Qualquer último dia é sempre inesquecível, talvez mais do que o primeiro, nem que seja o de um simples jogo de sueca.
Para evitar uma indefinida sucessão de partidas em que os que estivessem em desvantagem invocassem o seu direito à desforra, foi combinado que a disputa terminaria quando uma das equipas alcançasse seis vitórias.
Partida a partida, a sequência de vitórias e derrotas não deu a nenhum dos pares uma vantagem superior a uma até ao quatro igual. Depois, Manuel e o Torre Velha ganharam as últimas duas com facilidade.
Ao jogar a derradeira carta, sabendo que a vitória estava assegurada, Manuel sentiu uma tristeza tão grande como se aquela fosse a maior derrota da sua vida. De cada vez que partia alguém, a tristeza era tanto maior quanto menos gente restava na aldeia. E parecia que os que se despediam, indo, sentiam o mesmo e na mesma proporção que os que diziam adeus, ficando.
Os outros dois passaram a recordar aquele último serão como se tivesse sido uma das noites mais importantes da sua vida. O velho Amadeu garantia que fora sorte apenas, a do Manuel e do Torre Velha, que se apanhasse outra vez mestre João Bernardo à sua frente e com um baralho de cartas no meio dos quatro, eles haveriam de ver como perdiam num ai.
Num fim de dia, em que conversavam à porta da casa do Torre Velha, Manuel tirou um baralho da algibeira, embaralhou bem, disse àquele que partisse e mandou que o tio Amadeu desse cartas como se mestre João Bernardo estivesse ali. “És maluco”, disse o velho, no entanto obedecendo. Manuel pegou num envelope, meteu-lhe dentro as dez cartas restantes e explicou: “Vou mandar estas cartas ao mestre João Bernardo. O senhor Joaquim jogue uma, para eu lhe dizer e ele decidir qual a carta que há-de jogar.”
Perante o pasmo deles, explicou. Cada um guardaria as suas cartas, esperando a resposta do companheiro distante. Quando ela chegasse, juntar-se-iam os três e completariam a vaza. Depois, começariam outra e Manuel Cordovão escreveria novamente a dizer como fora. “Isso nunca mais acaba!” disse o velho Amadeu, mas mais em jeito de satisfação que de censura.
Cada resposta vinda da América demorava pelo menos duas semanas a chegar. Então os três homens juntavam-se em casa do Joaquim Torre Velha, com a mulher do tio Amadeu a fazer companhia a Maria da Graça, e esperavam com ansiedade a revelação da carta devolvida. Às vezes o serão de sueca não passava disso mesmo: Manuel abria o envelope, punha na mesa, em cima das outras três, a carta enviada por mestre João Bernardo, e, se era este que ganhava a vaza, arrumavam as suas e esperavam mais duas semanas. Quando era a vez de ele dar cartas, prevenia com antecedência se queria virar trunfo por baixo ou por cima, e o velho Amadeu dava por ele. Mas ficavam felizes como se não faltasse ninguém.
O velho Amadeu adoeceu quando estavam empatados a duas partidas, mas ele ia ganhando a quinta por três a um. Ainda aguentou o suficiente para viver até à penúltima vaza, que ganharia, e o jogo também, se mestre João mandasse um trunfo para cortar um rei jogado pelo Torre Velha. Não veio o trunfo. Mas Manuel trocou uma carta sua e mostrou-a ao quase moribundo como sendo a do companheiro. “Vocês ganharam, tio Amadeu.” O velho sorriu, feliz. Pela última vez, o velho Amadeu sorriu. Para que ele sorrisse durante mais uma partida, Manuel seria capaz até de roubar ouro.
Daniel de Sá, in "O Pastor das Casas Mortas

domingo, 17 de agosto de 2008

TABACARIA AÇORIANA

A Tabacaria Açoriana, quando o Gil ainda não tinha aberto, primeiro, o seu café, e depois a livraria, era ponto de encontro e local de tertúlia, principalmente aos domingos de manhã, para alguns especialistas de tudo e coisa nenhuma. À volta de um café e folheando jornais da terra, formavam-se grupos cujos elementos iam trazendo à baila acontecimentos locais, merecedores de comentário mexeriqueiro, no geral tudo gente aspirante a classe média.

Pontificava nessas manhãs, o Sargento Carradas, músico na Banda regimental, assim conhecido por ter sempre "carradas de razão", em tudo o que discutia. Era um homem dos mais prolixos que conheci, falava de tudo: de astronomia, navegação, invenções, e de… siderurgia.
Um dia, dissertando o Carradas sobre a produção de aço em Portugal (que não existia na época, a Siderurgia do Seixal só foi criada mais tarde) entusiasmado pela sua imaginação, e partindo de alguns elementos que conhecia sobre a matéria, começou a descrever como eram os "altos fornos" portugueses:
- Diz-se altos, pelas elevadas temperaturas necessárias à produção do aço.
Estava presente o meu pai, mestre do Ensino Técnico, homem circunspecto, de ouvir mais do que falar, mas que, na ocasião, não se conteve, e disse:
- Ó sargento, olhe que em Portugal não temos altos fornos, o ferro e aço com que trabalhamos é importado.O nosso músico não se atrapalhou, e retorquiu:
- Mestre Leonel, os nossos não são, de facto, muito altos, são mais baixos, mas existem!..
Era assim o Carradas.
A Açoriana tinha outra virtude, essencial para alguns dos jovens da minha geração: era um local de compra de livros e jornais do Continente; lá comprei, entre outros, o livro de Homem de Mello que, antes de Spínola, criticava a política africana. E lá passava, sempre expectante, para ver se já tinham chegado os jornais. O dono da Tabacaria era o Sr. Fernando que, felizmente, deixou o bichinho cultural aos filhos, seus sucessores no negócio, e anos mais tarde, organizadores de uma Feira do Livro, nas instalações da Tabacaria, que julgo ter sido pioneira em S. Miguel.
João Coelho [1]
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[1] Os meus agradecimentos a João Coelho por este precioso texto, que teve a gentileza de me autorizar a publicar aqui.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Alguém se lembra?

As Cavalhadas da Ribeira Grande
lembradas num selo desenhado por José Cândido
e emitido pelos Correios Portugueses,
em 11 de Maio de 1981

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

FESTAS DA GUARITA

FESTAS DO IMPÉRIO DOS INOCENTES DA GUARITA
Texto retirado de artigo de "a União",
publicado na Sábado, dia 26 de Julho de 2008,
em "Actualidade"
Fotos gentilmente cedidas pelo
Blogue "PORTO DAS PIPAS"
Mordomos 2008
Numa noite em que a chuva não quis perder a festa, cerca de duas centenas de pessoas juntaram-se no Império dos Inocentes da Guarita para a tradicional Ceia dos Criadores.
A ceia dos criadores
A noite começou com o tradicional Pezinho, animado por seis cantadores, onde se incluía o mais jovem intérprete dos Açores, naquela que foi a sua estreia numa celebração do Divino Espírito Santo.
Altar
A zona da Guarita tem a particularidade de, apesar de estar localizada dentro da cidade de Angra, “tem uma concepção rural na sua forma, temos vários lavradores e temos sempre os mesmo criadores”, revela Miguel Azevedo, um dos Mordomos deste ano. Talvez por isso, desde 1984 – ano em que o Império reabriu após as obras de restauração devido ao sismo de 1980 – “o Império da Guarita nunca mais comprou carne, e, independentemente dos Mordomos, tem funcionado sempre bem”, confidenciou à “a União” Manuel Martins (vulgo Ramalhete), ele próprio um dos criadores que desde essa data cria gado para a festa. A comissão deste ano conta com cinco pessoas com uma média de idades de 30 anos, contrariando a ideia que os mais jovens estão algo desfasados desta celebração.
Saída da Coroação
“Já tivemos aqui comissões mais jovens, o problema é manterem-se ligados ao Império devido às dificuldades de entendimento entre mais velhos e mais novos. Julgo que não é por má vontade, as vezes é preciso compreender que para os mais velhos os impérios são como se fossem a sua segunda casa”, refere Miguel Azevedo, admitindo que a comissão gostaria de voltar a repetir esta experiência que apelida de “muito divertida e onde se fica ligado às tradições de outra forma, aprendemos coisas sobre o culto do Espírito Santo todos os dias”. Sobre as festas deste ano, o Mordomo congratula-se pelo facto de ter sido possível reunir quase 200 pessoas na noite da Ceia dos Criadores, ainda para mais num ano “em que morreu muita gente na Rua da Guarita e circundantes e houve algum custo das pessoas se chegarem ao Império, mas penso que viram que o ambiente estava como dantes e conseguimos tê-las cá”, comenta, orgulhoso.
Os jovens Mordomos deste ano
Apesar da boa participação popular neste Império, o mesmo não se passa em muitos outros dentro da cidade. Segundo o Padre Dolores isso deve-se à despovoação de Angra do Heroísmo, onde “existem ruas que estão a ficar sem ninguém, já não existe o Império da Rua de Santo Espírito e o da Rua da Boa Nova está resumido ao terço por falta da população”.
Mordomos para 2009
O culto do Divino Espírito Santo pode-se dividir em três fases, assinala o Padre Francisco Dolores – Oração, Partilha e a Festa.
A Ceia dos Criadores enquadra-se na partilha. Os criadores, se deram carne para o Império, são os primeiros a ser convidados a partilhá-la juntamente com o pão, o vinho e as sopas do Espírito Santo, com toda a gente que participou e colaborou com o Império, um momento diferente das Funções já que estas “são a promessa de um jantar feita por um Mordomo no dia da Coroação”, esclarece o sacerdote. “Antigamente era a oportunidade para as pessoas, especialmente nas freguesias rurais, mas também na cidade, comerem carne, fora isso só nos casamentos ou no Natal, o mesmo se passava com o pão branco que a grande maioria da população só comia por esta altura. A esmola do Espírito Santo - com a bênção e entrega de carne, pão e vinho aos mais pobres, feita normalmente à sexta-feira, era um grande benefício”, recorda Francisco Dolores.
A Oração com o Terço do Espírito Santo ao longo dos oito dias em que a Coroa está no Império desde o cortejo da mudança até ao dia da coroação (normalmente um domingo), é outro dos momentos centrais do Culto, onde as pessoas vão agradecer pelo ano que passou e rezar pelos mortos. A terceira vertente, segundo o Padre Dolores, prende-se com a festa em si, há moda antiga com os foliões, “aqui mais com o Pezinho e os cantadores ao desafio”, refere o pároco.As filarmónicas são outra parte importante da festa, especialmente nos cortejos e na Terceira existe ainda um elemento fundamental - as touradas, “ que costumam marcar o encerramento das festas e que aqui são à corda, que foi a forma encontrada para se brincar com os touros de forma a que toda a população pudesse participar.