quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Lágrimas caindo sobre o mundo...

VISÃO

A J. M. Eça de Queiroz

Eu vi o Amor – mas nos seus olhos baços

Nada sorria já: só fixo e lento

Morava agora ali um pensamento

De dor sem trégua e de íntimos cansaços.

*

Pairava, como espectro, nos espaços,

Todo envolto num nimbo pardacento…

Na atitude convulsa do tormento,

Torcia e retorcia os magros braços…

*

E arrancava das asas destroçadas

A uma e uma as penas maculadas,

Soltando a espaços um soluço fundo,

*

Soluço de ódio e raiva impenitentes…

E do fantasma as lágrimas ardentes

Caíam lentamente sobre o mundo!

Antero de Quental

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Quem guarda tem...

Hoje, numa das minhas arrumações periódicas, encontrei um recorte de jornal com um pequeno artigo do nosso amigo Daniel de Sá. Não me lembro do nome do jornal, mas penso ter sido publicado em 2004 ou 2005.
Aqui está um exemplo da possibilidade de em poucas palavras dizer muito.

Justiça Cega

O rapazinho chorava. O agente da PSP que estava de serviço àquela escola de Rabo de Peixe perguntou-lhe a razão do choro, e ele respondeu: "Minha mãe não teve dinheiro para comprar velas".

Uns anos antes, o pai fora acusado de maus tratos à mulher e aos filhos. Entretanto, deixara de beber e arranjara emprego. Mas foi então que, numa certa noite, alguns polícias foram buscá-lo a casa para cumprir a pena de prisão finalmente decidida pelo tribunal. Quando ele já não representava nenhum perigo para a sociedade nem para a família, e se tornara indispensável para garantir o sustento desta.

A mãe não tivera dinheiro para pagar a conta da electricidade, que lhe foi cortada. Nem o teve para comprar velas à luz das quais o filho pudesse fazer os trabalhos de casa. E ele estava com medo de que a professora se zangasse.

A justiça é cega. Mas, às vezes, seria melhor que abrisse os olhos.

Daniel de Sá

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ai! Tanta SAUDADINHA...

Saudadinha (Canção das Ilhas)
Ó tirana saudade
Ó tirana saudade
Ó tirana saudade
Saudade, ó minha saudadinha
*
Foste nada no Faial
Foste nada no Faial
Foste nada no Faial
No Faial, baptizada na Achadinha
*
Saudade onde tu fores
Saudade onde tu fores
Saudade onde tu fores
Saudade, leva-me podendo o céu
*
Que eu quero ir acabar
Que eu quero ir acabar
Que eu quero ir acabar
Acabar, onde tu fores morrer
*
in Canções do Mar e da Vida
Autor: Luiz Goes
Outros responsáveis: Leonel Neves;
João Bagão; Afonso de Sousa;
António Toscano; Edmundo Bettencourt;
Armando Goes; Aires Máximo de Aguillar;
Fernando Neto; João Gomes;
Fernando Neves

domingo, 11 de janeiro de 2009

Junto ao mar...

Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente

A trágica voz rouca, enquanto o vento

Passava como o vôo do pensamento

Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

*

Junto do mar sentei-me tristemente,

Olhando o céu pesado e nevoento,

E interroguei, cismando, esse lamento

Que saía das coisas, vagamente...

*

Que inquieto desejo vos tortura,

Seres elementares, força obscura?

Em volta de que ideia gravitais?

*

Mas na imensa extensão, onde se esconde

O Inconsciente imortal, só me responde

Um bramido, um queixume, e nada mais...

Antero de Quental, Sonetos