quinta-feira, 26 de março de 2009

Para a Cris

Como já deves estar na "minha ilha", quero desejar-te umas férias magníficas, o que não é difícil de conseguir nesse paraíso.
Se tiveres tempo, e seguires o conselho do nosso amigo João Coelho, podes dizer este belo soneto do Antero de Quental, quando desceres à mágica Lagoa do Fogo.
Um grande beijo para ti.
***
Na Mão de Deus
*
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
*
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
*
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
*
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, in "Sonetos"

quarta-feira, 18 de março de 2009

Um Cheirinho Açoriano na Cidade Invicta

O Peter Café Sport na cidade do Porto
Abriu em Dezembro passado, no Cais da Ribeira (Porto), um novo Café Sport, com loja no 1º andar e o famoso Gin Tónico para saborear no rés-do-chão.
Para além do gin e das tostas, serve uma iguaria com sotaque do Porto, a Açorianinha, que combina a tosta típica com o sabor da Francesinha tripeira.
No fim de tarde ameno de ontem, recordar o Peter da Horta e as minhas ilhas queridas, com o Douro como fundo, foi qualquer coisa de mágico. Regressei a casa mais serena e feliz.
Pequenas coisas que adoçam a vida, não é?

terça-feira, 17 de março de 2009

Santa Maria por Raul Brandão

…Uma manhã transparente que hesita e flutua como um ser delicado, envolta em neblinas. Céu dum azul-pálido, forrado no horizonte de nuvenzinhas claras. Mar desmaiado, que não foi feito para se ver mas para respirar, esparso, quieto e fundido. Ao fundo, uma mancha indecisa, envolta em névoa, que logo se resolve em poeira esbranquiçada… Há nas coisas uma hesitação, uma mescla, um abrir, como no princípio do mundo quando a água, a luz e a terra não estavam ainda separadas pela mão de Deus. A tinta é muito pouca – quase nada de cor e de sonho. Santa Maria desvenda-se entre as névoas: um monte alongado com uma parte mais baixa e a Vila do Porto saliente, tudo azul emergindo do azul. À medida que o S. Miguel se aproxima, reparo que a ilha é doirada, com sombras a escorrer pelos montes abaixo. Alguns riscos mais carregados, algumas manchas roxas que pouco a pouco se acentuam. Fico perplexo e só quando chegamos quase à fala da povoação, Vila do Porto, é que compreendo: a ilha é um torresmo de pedra negra, de areia negra, como se tivesse passado pelo fogo do Inferno, mas o torresmo está coberto de giesta rasteira e doirada, de giesta em flor, que cheira a uma légua de distância.
Subo por um caminho entre figueiras-do-diabo e solteiras, como se chamam aqui as sardinheiras, que crescem por todos os lados. Colinas, campos de pastagem, e ao longe um pico mais alto donde se descobre toda a ilha. Povoação de duas ou três ruas e casinhas, com a igreja, a ossada dum convento e o solar humilde de Gonçalo Velho. É isolado e triste – mas pedras, campos e furnas estão cheios de asas e de gritos: os escarnentos, negros como melros, passam no ar com o biscato no bico, e a babosa enche este negrume cinzelado de oiro e de perfume. Há momentos em que se encobre o Sol e o torresmo sai mais negro do mar: só fica o cheiro que impregna a terra e o céu.
É aqui que os barcos de três velas vêm buscar o barro em bolas, para S. Miguel fabricar grandes talhas, canecas porosas, vasilhas de todas as formas e feitios. Santa Maria não só fornece os oleiros dos Açores mas fabrica também cântaros, púcaros, caboucos, numa ruazinha escondida da vila. Processos primitivos: o homem numa oficina escura prepara e amassa o barro, a que outros vão lentamente dando feitio no engenho. Trabalha a mão e o pé: o pé na grande roda que faz girar o prato com o barro ainda informe, e a mão dando-lhe a forma.
Que importa que isto seja um ermo onde até às vezes a água falta, sendo preciso para matar a sede trazê-la em navios de S. Miguel? Aqui se vive e aqui se morre. E devo dizer que desta ilha silvestre duas coisas ficarão para sempre na minha memória: o púcaro de barro poroso que torna a água fresquíssima, e o cheiro a giesta que a embalsama. Fiquei-a conhecendo para o resto da minha vida pela ilha que cheira bem…
Raul Brandão [10 de Junho de 1924], As Ilhas Desconhecidas

segunda-feira, 2 de março de 2009

65º Aniversário

Parabéns, Daniel de Sá!
Foto: Margarida Madruga
Feliz Aniversário!