terça-feira, 15 de junho de 2010

António Manuel Couto Viana (24 de Janeiro de 1923-8 de Junho de 2010)

in nestahora.blogspot.com Ilha de São Miguel
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Para Eduíno de Jesus
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Vejo os romeiros da Semana Santa
Atravessando os campos plo sol-posto:
O cajado na mão; ao ombro, a manta,
E a fé em cada rosto.
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Na alba do domingo, assisto
(Ainda luzem estrelas)
À missa cantada ao Senhor Santo Cristo,
Entre a pompa dos oiros, flores e velas.
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À porta do Convento da Esperança,
Rezo ao banco de Antero.
A sua alma, em paz, ali descansa,
Depois do tiro do desespero.
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E a paisagem bucólica,
Com lagoas de névoas e frescuras,
Melancólica,
Escorre das alturas.
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Até onde o olhar se perde,
Vacas pretas e brancas
Mancham o pasto verde,
De úberes túmidos, de pesadas ancas.
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Tão alvas e tão azuis, nas bermas das estradas,
As hortenses floriram os fuzis liberais,
Por serem dessas cores as bandeiras ousadas
Que iriam invadir as areias e os cais.
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Enfeitam-na, também, as rosas do Japão
(Vai-lhe bem o cetim!).
E respira da boca do extinto vulcão
Hálitos de jardim.
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Nas Furnas,
Arde o coração da terra.
E, das caldeiras soturnas,
Um fumo sobe, ondula e erra.
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Fui ao Nordeste, um dia,
Comer cracas, beber vinho de cheiro,
Enquanto a Ilha bebia
Nevoeiro.
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E porque não beber chá
(Chá chinês da Gorreana):
O Oriente que dá
Delicadeza à flora açoriana?
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Beber, na estufa, até, um sumo de ananás,
Como um sol ruivo, acre e tropical
Que ao severo da Ilha satisfaz
a sede sensual.
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No sabor das bananas, que novos exotismos!
Verdes, se verdes, depois, doiradas,
Frente a espessuras, prados, abismos,
Fontes, levadas...
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Ilha a emergir da espuma,
Sê sinal de salvação:
Traz-me, perdido na bruma,
El-Rei Dom Sebastião.
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António Manuel Couto Viana
20 de Fevereiro de 2008