sexta-feira, 21 de março de 2008
A Páscoa na Ilha
terça-feira, 18 de março de 2008
Parabéns à Ibel!
sexta-feira, 14 de março de 2008
Lendas dos Açores 3
Noite de Lua cheia. Boiando sobre as sossegadas ondas que docemente vinham acabar-se na areia branca, uma mulher de longos cabelos de oiro parecia ondular também. O tronco nu era de uma perfeição raramente vista. E o seu rosto tão suavemente belo que um pescador, deslumbrado com a visão, não sentiu qualquer lascívia a perturbar-lhe o encanto.
Ela aproximou-se. Quando já estava muito perto, o homem percebeu, cheio de temor, que o seu pescoço estava desfigurado pelo que pareciam ser guelras. E, da cintura para baixo, era igual a um peixe. Na aflição de quem julgava ter o Diabo ao pé de si, esconjurou a aparição. No mesmo instante, a mulher, que um qualquer poder maléfico transformara em sereia, voltou à perfeição da forma humana.
Não sei se conhecias esta lenda, que não nos diz se os dois se casaram e viveram felizes para sempre. Mas podemos imaginar-lhes esse destino ditoso. Esta praia merece que a felicidade a contemple. Tão bela é que, no mapa que Luís Teixeira fez dos Açores em 1584, lhe chamou “Plaia Hermosa”. E porque o mapa foi feito para D. Filipe I de Portugal, todas as legendas do mapa estão no mesmo castelhano arcaico.
Que ela é formosa percebe-se logo à primeira vista. Por isso dispensa o adjectivo, que nunca foi usado pelos naturais da ilha. Mas Luís Teixeira boas razões teria para não se ficar pelo simples nome de Praia. E ele conhecia todas as dos Açores, sem dúvida, porque, na legenda que explica o mapa, escreveu em latim: “Estas ilhas foram percorridas com a maior diligência, e com todo o cuidado as descreveu o português Luís Teixeira, cosmógrafo da Majestade Real. Ano de Cristo de 1584.”
Daniel de Sá, "Santa Maria, a ilha-mãe"
quinta-feira, 13 de março de 2008
Lendas dos Açores 2
“Na noite do primeiro para o segundo dia de Setembro de 1675, deram os mouros um assalto neste sítio desta Ermida a descuido das guardas, entraram pelo porto cativaram onze pessoas, entre mulheres e meninos e com este chicote as espancaram o qual se pôs aqui para memória do sucesso para que esteja pregando que se Deus logo levantou o castigo foi talvez por não envolver mais inocentes; todavia deixou ficar em terra o açoute com que castigou. Nesta Ermida não tocaram, passando de todo por junto dela; como também no ano de 1616 saquearam toda a ilha é tradição que a não viram vendo-os a todos quem dentro estava.”
Daniel de Sá, "Santa Maria, a ilha-mãe"
Estátua de Cristóvão Colombo
quarta-feira, 12 de março de 2008
Lendas dos Açores 1
CASTELHANO SE VAI EMBORA
GUARDA LA RISA PRA QUANDO LA CHORA.
José Viale Moutinho, Lendas dos Açores
sábado, 1 de março de 2008
Homenagem aos Romeiros de S. Miguel
A tarde vai avançando, e ele sente-se cansado mas não exausto. O pior será, com certeza, depois de o corpo repousar por umas horas e todos os músculos se recusarem a reagir, com a facilidade de hoje, ao esforço da amanhã. Tem à vista o reino da Tronqueira, com o Pico da Vara a apontar o céu, numa oração em silêncio. E parece até que se notam as marcas deixadas pelos imensos dedos do Criador, no acto de modelar a lava de que tudo isto é feito. Se um louco destruísse todos os templos da ilha, restavam-nos as montanhas, que já os deuses antigos por aí é que habitavam…
Desde que João se despediu da mulher com um beijo breve e, dos filhos a bom dormir, com um leve roçar dos lábios nas faces pequenas, doze horas se passaram e andou o rancho coisa de uns trinta quilómetros. Como ali a ilha se amontoa em serras e em cristas enrugadas, não tem espaço para descer suavemente as ravinas abruptas e os caminhos de estoirar cavalos. Vão os romeiros subindo a outra margem da ribeira do Despe-te Que Suas, nome de acertado baptismo para tão íngremes barrancos que a guardam muito funda.
Já no fim da ladeira, uma cruz ao lado da estrada assinala que ali morreu um romeiro, há muito tempo. Foi mudada um pouco mais para baixo do sítio certo, para não incomodar o trânsito, porque todos os ranchos param numa prece por alma daquele irmão de que a maior parte nem conhece o nome. Manuel Viveiros Arruda, digamos que era, porque se sabe que sim. Em Março seria, de mil oitocentos e cinquenta e quatro, o dia de que se guarda tão longínqua memória. Vinha das Sete Cidades, nome mítico da ilha, ou outro nome da ilha, que precedeu, no imaginário medieval, o mais cristão que lhe deram depois da descoberta. Ia meter-se o rancho à subida da encosta, e o pobre homem, convencido de que para tantos seus pecados era pequena a penitência que fazia, pediu licença ao mestre para levar às costas uma pedra que lhe aliviasse a alma por lhe pesar o corpo. O mestre que não, e ele que, em vez disso, carregaria os bordões de todos os irmãos. Subisse em paz, como os outros, que decerto lhe bastava ser bom romeiro e Deus lhe tomaria isso em conta. Sabe-se lá que pecados lhe pesavam na alma – talvez não muitos, porque, às vezes, quem menos peca é que maior pecador se julga -, o certo é que o arrependido penitente se agarrou mesmo a uma pedra do tamanho que lhe pôde o remorso, mais forte do que a resistência do corpo, e foi cair morto de exaustão, e com a consciência lavada pelos últimos suores, ao lado da pedra que deixou tombar quando se lhe acabavam a ladeira, as forças e a vida. E esse romeiro obscuro, que parece ter resistido a toda a subida para morrer mais perto do céu, tem com certeza sempre mais gente a rezar por si, em tempo certo, do que qualquer rei ou qualquer papa.



