Parto amanhã de manhã para Lisboa. Sábado que será de sol. Voo semidirecto: Pico, Lajes, Lisboa. Sempre que me vou de abalada, sinto uma ponta de tristeza e de saudade do local onde aqueci lugar durante algum tempo. A mala e a pasta do computador já se encontram no chão do alpendre da casa virada ao mar. Contemplo a Ilha de São Jorge: estende-se ao longo do meu olhar numa extensão de cerca de oitenta quilómetros. Hoje, pintou-se de azul arroxeado. Daqui a pouco, já troca de pintura, mas não é troca-tintas! Nunca usa a mesma durante muito tempo. Grande vaidosa, a Ilha em frente de minha casa! O Expresso que liga os portos da Horta, de São Roque e São Jorge, não navega: azula-se de tal maneira que já vai a meio do canal, o de Vitorino Nemésio, rumo à Vila das Velas. Enxergo o casario com nitidez e, à noite, até vislumbro a claridade dos faróis dos automóveis circulando nas estradas. O mar, um espelho. Estanhado. Bom Tempo no Canal! Ainda é muito cedo! Sou ardido no tocante a horários! A boleia só chegará daqui a uma hora, mas gosto de sentir-me em mangas de camisa dentro do tempo que me faço sobejar. Vou ainda percorrer a casa, palmo a palmo. Retiro algum prazer mórbido ao despedir-me das coisas, devagar. Das pessoas, é mais fácil! Entro de novo, subo as escadas que me levam ao sótão, o meu santuário da escrita e dos livros. Acaricio a lombada de um ou outro, endireito algum mais indisciplinado, sem vocação militar para a formatura rígida, deixo cair os olhos nas estantes de criptoméria, aliso a secretária já esvaziada do computador portátil, lanço um lento olhar em redor, na esperança de que ele fique, ali, preenchendo a ausência prestes a desabotoar-se e me dê as boas-vindas quando de novo eu chegar... Como existirão os livros sem mim, neste sótão de silêncio? Desço de novo as escadas, paro uns momentos em cada degrau, capto a sala de cima, e enterneço-me com o vidrinho de lágrima semi-inventada que me embacia os olhos.
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Cristóvão de Aguiar/Francisco de Aguiar, Catarse
domingo, 19 de junho de 2011
O vidrinho de lágrima semi-inventada...
Parto amanhã de manhã para Lisboa. Sábado que será de sol. Voo semidirecto: Pico, Lajes, Lisboa. Sempre que me vou de abalada, sinto uma ponta de tristeza e de saudade do local onde aqueci lugar durante algum tempo. A mala e a pasta do computador já se encontram no chão do alpendre da casa virada ao mar. Contemplo a Ilha de São Jorge: estende-se ao longo do meu olhar numa extensão de cerca de oitenta quilómetros. Hoje, pintou-se de azul arroxeado. Daqui a pouco, já troca de pintura, mas não é troca-tintas! Nunca usa a mesma durante muito tempo. Grande vaidosa, a Ilha em frente de minha casa! O Expresso que liga os portos da Horta, de São Roque e São Jorge, não navega: azula-se de tal maneira que já vai a meio do canal, o de Vitorino Nemésio, rumo à Vila das Velas. Enxergo o casario com nitidez e, à noite, até vislumbro a claridade dos faróis dos automóveis circulando nas estradas. O mar, um espelho. Estanhado. Bom Tempo no Canal! Ainda é muito cedo! Sou ardido no tocante a horários! A boleia só chegará daqui a uma hora, mas gosto de sentir-me em mangas de camisa dentro do tempo que me faço sobejar. Vou ainda percorrer a casa, palmo a palmo. Retiro algum prazer mórbido ao despedir-me das coisas, devagar. Das pessoas, é mais fácil! Entro de novo, subo as escadas que me levam ao sótão, o meu santuário da escrita e dos livros. Acaricio a lombada de um ou outro, endireito algum mais indisciplinado, sem vocação militar para a formatura rígida, deixo cair os olhos nas estantes de criptoméria, aliso a secretária já esvaziada do computador portátil, lanço um lento olhar em redor, na esperança de que ele fique, ali, preenchendo a ausência prestes a desabotoar-se e me dê as boas-vindas quando de novo eu chegar... Como existirão os livros sem mim, neste sótão de silêncio? Desço de novo as escadas, paro uns momentos em cada degrau, capto a sala de cima, e enterneço-me com o vidrinho de lágrima semi-inventada que me embacia os olhos.
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Cristóvão de Aguiar/Francisco de Aguiar, Catarse
domingo, 12 de junho de 2011
Roberto Ivens
Roberto Ivens nasceu a 12 de Junho de 1850, na freguesia de São Pedro, Ponta Delgada, filho de Margarida Júlia de Medeiros Castelo Branco, de apenas 18 anos de idade, oriunda de uma família de modestos recursos, e de Robert Breakspeare Ivens, de 30 anos, filho do abastado comerciante inglês William Ivens, residente em Ponta Delgada desde 1800.
Não sendo os pais casados, e dadas as diferenças sociais e convenções da época, fruto de amores furtivos e proibidos (mas tolerados), o nascimento deu-se numa casa alugada onde o pai havia instalado a amante, que entretanto fora amaldiçoada, deserdada e expulsa de casa pelo pai. A instâncias da mãe, o recém-nascido foi baptizado, às escondidas, como filho de pai incógnito, na igreja da Fajã de Cima. Entregue à parteira do lugar, Ana de Jesus, foi por esta levado à igreja sendo baptizado pelo cura e tendo como padrinho o irmão do vigário.
A criança foi entretanto criada na companhia da mãe e da tia, Ana Matilde. Com o aparecimento de uma nova gravidez, Roberto Breakspeare Ivens providencia uma empregada e uma casa na Rua Nova do Passal, Ponta Delgada. Por influência do Dr. Paulo de Medeiros, reconhece a paternidade sobre o pequeno Roberto, mesmo antes do nascimento do segundo filho, Duarte Ivens. Com apenas três anos de idade, perde a mãe vítima da tuberculose.
Permanecendo em Ponta Delgada, beneficiando do estatuto social que o reconhecimento por parte da família Ivens lhe conferiu, frequenta a Escola Primária do Convento da Graça, onde desde logo foi apelidado de "Roberto do Diabo" dadas as travessuras em que se envolvia.
O pai, que entretanto casara, fixou-se em Faro, no Algarve, para onde leva os filhos em Agosto de 1858.
Em 1861 Roberto Ivens é inscrito na Escola da Marinha, em Lisboa, ali fazendo os estudos que o conduziram a uma carreira como oficial de marinha. Foi sempre um estudante inteligente e aplicado, mas igualmente brincalhão.
Concluiu o curso de Marinha em 1870, com apenas 20 anos, com as mais elevadas classificações. Inicia a sua carreira de oficial da Marinha, fazendo várias viagens, mas por motivos de saúde, abandona o mar, passando a dedicar-se à cartografia na Sociedade de Geografia de Lisboa e na execução de trabalhos relacionados com África, sobretudo Angola, no Ministério da Marinha e Ultramar.
Quando tomou conhecimento do plano do Governo para a exploração científica no interior africano, destinado a explorar os territórios entre as províncias de Angola e Moçambique e, especialmente, a efectuar um reconhecimento geográfico das bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze, foi imediatamente oferecer-se para nela tomar parte. Como a decisão demorasse, pediu para ir servir na estação naval de Angola. Aproveitou esta estadia para fazer vários reconhecimentos, principalmente no rio Zaire, levantando uma planta do rio entre Borud e Nóqui.
Por Decreto de 11 de Maio de 1877 foi nomeado para dirigir a expedição aos territórios compreendidos entre as províncias de Angola e Moçambique e estudar as relações entre as bacias hidrográficas do Zaire e do Zambeze.
De 1877 a 1880, ocupou-se com Hermenegildo Capelo e, em parte, com Serpa Pinto, na exploração científica de Benguela às Terras de Iaca. No regresso, recebe a Comenda da Ordem Militar de Santiago e é nomeado a 19 de Agosto de 1880 vogal da Comissão Central de Geografia. Por Decreto de 19 de Janeiro de 1882, foram-lhe concedidas honras de oficial às ordens e a 28 de Julho foi nomeado para proceder à organização da carta geográfica de Angola.
Finda a viagem de exploração, Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo foram recebidos como heróis em Lisboa, a 16 de Setembro de 1885. O próprio rei D. Luís se dirigiu ao cais para os receber em pessoa e os condecorar à chegada. O rio Tejo regurgitava de embarcações. Nunca se havia visto tamanho cortejo fluvial. Acompanhados pelo rei foram conduzidos ao Arsenal da Marinha para as boas vindas, com Lisboa a vestir-se das suas melhores galas para os receber. Foram oito dias de festas constantes, com colchas nas varandas, iluminação, fogos de artifício, recepções, almoços, jantares e discursos sobre a heróica viagem.
Mais tarde, o Porto não quis ficar atrás, excedendo-se em manifestações de regozijo e recepções. E no estrangeiro, Madrid esmerou-se em festas, conferências, recepções e condecorações; em Paris é-lhes conferida a Grande Medalha de Honra.
Em Ponta Delgada, por iniciativa de Ernesto do Canto sucederam-se as manifestações em honra do herói. O dia 6 de Dezembro de 1885 foi o escolhido para as solenidades. As ruas da cidade encheram-se de gente de todas as condições sociais. Cada profissão, cada instituição se incorporou no cortejo cívico com os seus pendões. Não faltaram as bandas de música e os discursos. Expressamente para esse dia foi composto o número único do jornal Ivens e Capelo e foi executado um Hino a Roberto Ivens, com letra de Manuel José Duarte e música de Quintiliano Furtado.
Roberto Ivens faleceu no Dafundo (Oeiras), em 28 de Janeiro de 1898, deixando viúva e três filhos. O enterro, a 29 de Janeiro, foi uma grande manifestação de pesar nacional. A urna de mogno estava coberta com a bandeira nacional.
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