quinta-feira, 30 de abril de 2009

O CONVERTIDO

A Gonçalves Crespo
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.
*
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza,
Deu-me rebate o coração contrito!
*
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
*
Amortalhei na fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental, Sonetos

14 comentários:

joão coelho disse...

Elisabete, este poema é terrível na sua complexidade..
Vem a propósito porque parece que o Zeca Medeiros já terminou o seu trabalho televisivo sobre Antero e um dia destes vamos poder vê-lo aqui na RTP.
Já li algumas apreciações sobre a série, fala-se em lentidão, não sei, aguardemos.

Beijocas

Elisabete disse...

Que bom! Fico ansiosa. Acredito que será um óptimo trabalho. Gosto do Zeca Medeiros.

Ibel disse...

Até arrepia! E todos nos sabemos que isto nos acontece.
João, sabes quando vai passar a série sobre Antero?
Beijo para ti e para o João.

joão coelho disse...

Ibel, não sei, a nossa RTP nestas coisas está sempre no seu melhor, ou seja, despacha a atenção que dá aos Açores e à Madeira em 30' de emissão, de 2ª a 5ªfeira na RTPN, às 15.30... De resto, produções do Zeca - ou outras do tipo- não lhe merecem muita atenção, hão-de fazer alguma promoçãozinha nas antevésperas..
Os gostos vão mais para o preço certo, o duelo final, o Portugal no coração, sempre com música pimba, os "concertos" do Toni Carreira nos Coliseus e outros "produtos" de qualidade mais ou menos idêntica..
Verdade, Antero é complicado, se vocês não fossem umas timidas bem se podia fazer aqui uma conversinha sobre ele..

Beijos e abraços

Ibel disse...

João,

Vamos lá à conversa...
Abraço.

almariada disse...

Perfeito.

Elisabete disse...

Demolidor mas correcto, João.
Vamos lá a perder a timidez!

joão coelho disse...

A Antero de Quental conheci-o tarde, sabia melhor o que de João de Deus está escrito na sua lápide no cemitério de S.Joaquim, em Ponta Delgada - "Aqui jaz pó, eu não, eu sou quem fui.."
Foi na Escola Industrial e através de um professor-poeta,(como tu, Ibel) de seu nome Jacinto Soares de Albergaria que um pouco mais fiquei a saber. Mas as minhas apetências nos livros andavam por outros mares que não a poesia..e foi só no exercicio da minha profissão que, a propósito de uma efeméride anteriana, o visitei melhor..Logo à partida confundiu-me, eu queria encontrar uma relação dele com o mar - como acontece com todos os poetas, maiores ou menores, dos Açores - e pouco, muito pouco, encontrei..
Burguês, filósofo metafisíco, grande poeta, iberista, revolucionário, maçon. Quiz conhecer os operários, quiz saber como era ser operário; em Lisboa e em Paris foi operário, e até na viagem que fez aos EUA se interessou pelos problemas das classes trabalhadoras daquele país. Desiludiu-se porque percebeu que a vida de operário era rude, muito rude e pouco dada a grandes devaneios metafisicos. Era bipolar, não suportava viver em S.Miguel, mas voltava sempre..e contraditóriamente, apreciava Vila do Conde devido, nomeadamente, ao mar..como se lhe faltasse mar na sua terra..
Nunca vi que tivesse amado uma mulher, não casou e fala de um Deus que é o "Grande Arquitecto" da Maçonaria, mais do que o Deus "corrente"..
E, para fechar, mata-se - depois de mais um dia aparentemente normal na sua vida - por debaixo da âncora da Esperança, no Campo de S.Francisco, à luz do dia, em acto quase público..Como é que um homem que se suicida, que desiste, se "une", simbólicamente, à Esperança?(lamentávelmente, pespegaram no local com a estátua de uma santinha..sobre ele,ali, nada..)
Há um trabalho excelente de José Bruno Carreiro sobre Antero, em dois grossos volumes, onde se seguem todas as suas andanças, e Moita Flores, um "necrófilo" militante (faceta pouco conhecida dele)tem uma tese universitária, intitulada "Autópsia de um suicídio" que disseca as circunstâncias em que se verificou a morte do grande poeta..e para fazer uma investigação exaustiva até comprou - ou mandou fazer, já não me lembro - uma réplica do revólver com que Antero se matou.

Beijos e abraços

Ibel disse...

João,

Obrigada mesmo.Deliciei-me, embora com uma aguazinha no canto do olho.
O Antero fascina-me.Não sabia que era bipolar.Daí se explica a sua inconstância na vida e nos temas, a sua agitação e a sua solidão.

A frase que está na lápide de João de Deus!!!!!Fantástica: "Aqui jaz pó, eu não, eu sou quem fui.."

Abraço, amigo, e escreve.Cria o teu blog.

joão coelho disse...

Já agora trago aqui o epitáfio completo que João de Deus escreveu:

"Aqui jaz pó, eu não: Eu sou quem fui.
Raio animado dessa luz celeste
À qual a morte as almas restitui
Restituindo à terra o pó que as veste."

Antero e João de Deus eram muito amigos e Quental dedicou-lhe alguns poemas. Como este, por ex., intitulado "A um poeta"

"Tu que dormes, espirito sereno
Posto à sombra dos cedros seculares
Como um levita à sombra dos altares
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O Sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares..
Para surgir do seio desse mares,
Um mundo novo espera só um aceno..

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções..
Mas de guerra..e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!"

E gosto muito, também, de "Oceano Nox" ", com aquele começo terrível..

"Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca,enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente..."

E o final de "Palácio da Ventura", com aquela frase "..silêncio, escuridão - e nada mais"

A trabalho sobre Antero, do Zeca Medeiros, estreou na RTP-Açores a 18 de Abril e penso que antes de passar a nível nacional na RTP, irá ser apresentada em algumas cidades aqui no Continente, entre as quais Vila do Conde, onde Antero viveu algum tempo. Vou ver se sei em que datas.
O blogue ainda está no congelador, quando vier para a mesa previno.
Até lá, vou visitando vocês, com muito gosto.

Beijos e abraços

Elisabete disse...

João, obrigada pelo poema do João de Deus e pelas informações, sempre preciosas.
O cemitério de S. Joaquim é aquele que fica próximo do Parque Atlântico? Desde sempre quis procurar o túmulo do Antero mas, não sei porquê, nunca me empenhei a sério em saber qual o cemitério, de Ponta Delgada, onde se encontrava. Uma falha sem perdão. É visita obrigatória na minha próxima ida a S. Miguel.

Abraços para todos

joão coelho disse...

Penso que P.Delgada continua a ter apenas um cemitério, o de S.Joaquim. O Parque Atlântico não é do meu tempo, não sei onde fica. Quando fizeres a visita, vai até ao jardim Antero de Quental, junto à Igreja do Colégio (que é linda, como exemplo do Barroco) sobe a Avenida Gaspar Fructuoso, que é agradável, com os seus plátanos e, ao topo, viras à esquerda. Aí a uns 200/300 mts tens o cemitério, ao lado direito e, logo à entrada, o túmulo de Antero.

Elisabete disse...

Deve ser o que penso, uma vez que só há um, mas vou seguir as indicações.
Obrigada, João

joão coelho disse...

Já agora, fará sentido ir à Rua Castilho (de Ant.Feliciano de Castilho, que foi prof. de Antero e com quem ele depois se incompatibilizou)junto à Pepe, na rua Machado dos Santos, e subi-la; à esquerda, pouco depois do inicio, está a casa de Antero e depois podes continuar, subindo o resto da rua, até ao Jardim A. de Quental.
Entretanto, para Junho próximo está anunciada a abertura da casa de Antero em Vila do Conde, onde ele viveu cerca de 10 anos. O edificio foi reconstruído,por iniciativa da Câmara Municipal, num projecto que custou meio milhão de euros, e vai albergar algum espólio de Antero, para além de se constituir como ponto de referência de outros nomes da literatura de alguma forma ligados a V. do Conde, como José Régio, Camilo, Eça, Ruy Belo, etc.
Bem podias visitá-la, na companhia da Ibel..que, por seu turno, podia concretizar lá uma visita de estudo para os seus alunos de Português..para fechar o ano lectivo..A Ibel enchia as medidas da sua veia poética e tu matavas saudades dos tempos de professora..