sexta-feira, 21 de março de 2008

A Páscoa na Ilha

No dia 31 de Março de 2002, domingo de Páscoa, estava assim decorada, com cestas de jarros, esta casa que penso situar-se na freguesia de Candelária. Pelo menos, fica na estrada que das Sete Cidades nos leva a Ponta Delgada. SAUDADES...
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Para todos,
uma PÁSCOA muito feliz
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terça-feira, 18 de março de 2008

Parabéns à Ibel!

À Ibel, que hoje está de parabéns, que posso oferecer?
Não sei fazer versos como ela. Mas sei que ela adora o mar.
Por isso, aqui estão quatro fotografias do mar dos Açores: as duas primeiras, das águas revoltas do Canal (entre o Faial e o Pico); as outras duas, das águas quentes da Ferraria (em S. Miguel).
Ao contrário do que se pensa, minha querida Ibel, esta é a fase melhor da vida. A sabedoria dos cinquenta é infinita. Vá por mim! O melhor do Mundo e um beijinho para si!

sexta-feira, 14 de março de 2008

Lendas dos Açores 3

A sereia da Praia

Noite de Lua cheia. Boiando sobre as sossegadas ondas que docemente vinham acabar-se na areia branca, uma mulher de longos cabelos de oiro parecia ondular também. O tronco nu era de uma perfeição raramente vista. E o seu rosto tão suavemente belo que um pescador, deslumbrado com a visão, não sentiu qualquer lascívia a perturbar-lhe o encanto.

Ela aproximou-se. Quando já estava muito perto, o homem percebeu, cheio de temor, que o seu pescoço estava desfigurado pelo que pareciam ser guelras. E, da cintura para baixo, era igual a um peixe. Na aflição de quem julgava ter o Diabo ao pé de si, esconjurou a aparição. No mesmo instante, a mulher, que um qualquer poder maléfico transformara em sereia, voltou à perfeição da forma humana.

Não sei se conhecias esta lenda, que não nos diz se os dois se casaram e viveram felizes para sempre. Mas podemos imaginar-lhes esse destino ditoso. Esta praia merece que a felicidade a contemple. Tão bela é que, no mapa que Luís Teixeira fez dos Açores em 1584, lhe chamou “Plaia Hermosa”. E porque o mapa foi feito para D. Filipe I de Portugal, todas as legendas do mapa estão no mesmo castelhano arcaico.

Que ela é formosa percebe-se logo à primeira vista. Por isso dispensa o adjectivo, que nunca foi usado pelos naturais da ilha. Mas Luís Teixeira boas razões teria para não se ficar pelo simples nome de Praia. E ele conhecia todas as dos Açores, sem dúvida, porque, na legenda que explica o mapa, escreveu em latim: “Estas ilhas foram percorridas com a maior diligência, e com todo o cuidado as descreveu o português Luís Teixeira, cosmógrafo da Majestade Real. Ano de Cristo de 1584.”

Daniel de Sá, "Santa Maria, a ilha-mãe"

quinta-feira, 13 de março de 2008

Lendas dos Açores 2

Com os meus agradecimentos
a Daniel de Sá
Piratas nos Anjos
Os principais atractivos da zona de Santana, incluindo os Anjos, eram a facilidade de acesso ao mar e a ribeira onde corre água durante todo o ano, e que recebeu aquele nome porque os terrenos por onde passa pertenciam a Gonçalo Velho. Todos os mapas actuais a trazem como ribeira de Santana, mas lá ela tem três nomes diferentes deste, sendo na parte final curiosamente chamada ribeira do Rei.
No entanto, por ali o mar tanto abre as portas da terra a quem vem por bem como a quem chega por mal. E os piratas e corsários várias vezes se aproveitaram dessa franqueza, ao ponto de, na sacristia da igrejinha dos Anjos, talvez a primeira que houve nos Açores, ter sido guardado ao longo dos séculos um chicote com que eles atormentaram alguns infelizes habitantes do lugar. E, para memória das gentes, foi feita a seguinte inscrição:

Na noite do primeiro para o segundo dia de Setembro de 1675, deram os mouros um assalto neste sítio desta Ermida a descuido das guardas, entraram pelo porto cativaram onze pessoas, entre mulheres e meninos e com este chicote as espancaram o qual se pôs aqui para memória do sucesso para que esteja pregando que se Deus logo levantou o castigo foi talvez por não envolver mais inocentes; todavia deixou ficar em terra o açoute com que castigou. Nesta Ermida não tocaram, passando de todo por junto dela; como também no ano de 1616 saquearam toda a ilha é tradição que a não viram vendo-os a todos quem dentro estava.”

Desse episódio de pirataria ficou a lenda de um canavial que teria surgido de súbito, não permitindo aos mouros verem a ermida. Que, segundo outra lenda, houve quem quisesse mudar para o sítio que passou a chamar-se Cruz dos Anjos. Todos os materiais que, durante o dia, eram levados para ali, à noite voltavam para o lugar onde a pequena igreja haveria de ficar para sempre. E terá ficado também a palavra “bei”, como exclamação de grande espanto, com frequência acompanhada da invocação de Santa Bárbara, protectora contra raios e calamidades. Seria com esse grito que muitas pessoas reagiam ao rebate que anunciava piratas na costa, pois “bei” era título de chefe na Tunísia. Curiosamente, em iguais circunstâncias a mesma palavra se diz na Graciosa.

Daniel de Sá, "Santa Maria, a ilha-mãe"

Estátua de Cristóvão Colombo
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Na Capela dos Anjos, provavavelmente o mais antigo templo dos Açores, rezou a tripulação de Colombo, no regresso da viagem de descobrimento da América (Fevereiro de 1493).
As fotografias fazem parte da obra de Daniel de Sá, citada acima, que recomendo vivamente, pela sua qualidade literária, gráfica e fotográfica.
Se quer saber mais, pode ver, neste blogue, os posts: DANIEL DE SÁ imparável [23.Set.2007] e Santa Maria, a ilha-mãe [02.Out.2007].

quarta-feira, 12 de março de 2008

Lendas dos Açores 1

A FURNA DE SANT’ANA
Nos finais do séc. XVI e princípios do seguinte, a ilha de Santa Maria foi constantemente assaltada pelos piratas, sobretudo argelinos, que tudo roubavam, tudo destruíam e levavam consigo prisioneiros, que depois negociavam como escravos. Ora, a penedia basáltica dava ocasião a alguns esconderijos que a população aproveitava. A mais célebre dessas buracas foi a Furna de Sant’Ana, sobre a qual circulam algumas lendas.
Vejamos uma delas.
Pois corria o ano de 1616 quando meio milhar de piratas caiu sobre a ilha, nela permanecendo durante oito dias. Ninguém ousou resistir-lhes, e todos os que puderam correram a esconder-se. Muitos deles na Furna de Sant’Ana. Muitos deles? Sempre eram umas centenas de velhos, mulheres e crianças, que ficaram quase todo o tempo às escuras, silenciosos, trementes, à espera do pior. Às tantas, em data não registada, os que ali oravam, aflitos, escutaram uma barulheira tremenda. Alguns espreitaram e viram um grande cortejo de piratas a cavalo e a pé, rufando tambores e tocando cornetas. E entre os refugiados ouviu-se a prece de uma velhinha:
- Senhora Santa Maria dos Anjos, que sois senhora desta ilha, salvai-nos!
E todos ajoelharam porque julgavam ser aquele o último dia das suas pobres vidas. Ainda barulhavam a pouca distância os piratas quando, ao som da prece, tudo voltou ao silêncio.
Como um manto azul, a ilha ficou sem um ruído. O Sol deu uma volta no espaço e lançou os seus raios até ao cabo da Furna de Sant’Ana. Então, do alto de uma árvore, para onde acabara de subir, um rapazote, olhando o mar, gritou:
- Estamos salvos! Saiam todos!
Os barcos dos piratas estavam na linha do horizonte. Haviam abandonado a ilha.
- Nossa Senhora salvou-nos!
Pois valha falar de uma outra gruta, situada entre as duas fajãs referidas por Gaspar Frutuoso no seu Saudades da Terra. Tinha a boca cerrada com areia e cal, do mesmo aparelho que os castelos que contornam Santa Maria. A lenda diz que aí dentro se guardou por séculos um tesouro de piratas mouros, mas havia também quem receasse o que lá poderia encontrar-se.
Porém, como se cumprira a Restauração, era voz corrente que se tratava antes de um tesouro dos espanhóis, que o não puderam levar na saída precipitada para os seus territórios, já que dali foram corridos. Tesouro ou armas e munições, deixando escrito nas paredes da gruta, tal como o haviam feito em diversos castelos, estes dizeres mal escritos:

CASTELHANO SE VAI EMBORA

GUARDA LA RISA PRA QUANDO LA CHORA.

José Viale Moutinho, Lendas dos Açores

sábado, 1 de março de 2008

Homenagem aos Romeiros de S. Miguel

Com um abraço de parabéns, pelo dia de amanhã, a Daniel de Sá, e um pedido de desculpas por truncar o seu belo texto. Quis, apenas, encurtá-lo para caber neste espaço sem se tornar ininteligível. *************************************************
A ilha, toda inteira. Passo a passo há-de João andá-la de ponta a ponta, duzentos e cinquenta quilómetros em redor, cinquenta léguas compridas de cansaços e Ave-Marias, Romeiro, ele, cristão de pouco ir à Missa… E a pão e água, a promessa!...
Pois sim, a guerra… Ainda ela, a guerra, de que pouco mais se sabia do que estatísticas falsas e a voz do Ferreira da Costa que só dava notícias de quem estava bem.
[…]

A tarde vai avançando, e ele sente-se cansado mas não exausto. O pior será, com certeza, depois de o corpo repousar por umas horas e todos os músculos se recusarem a reagir, com a facilidade de hoje, ao esforço da amanhã. Tem à vista o reino da Tronqueira, com o Pico da Vara a apontar o céu, numa oração em silêncio. E parece até que se notam as marcas deixadas pelos imensos dedos do Criador, no acto de modelar a lava de que tudo isto é feito. Se um louco destruísse todos os templos da ilha, restavam-nos as montanhas, que já os deuses antigos por aí é que habitavam…

Desde que João se despediu da mulher com um beijo breve e, dos filhos a bom dormir, com um leve roçar dos lábios nas faces pequenas, doze horas se passaram e andou o rancho coisa de uns trinta quilómetros. Como ali a ilha se amontoa em serras e em cristas enrugadas, não tem espaço para descer suavemente as ravinas abruptas e os caminhos de estoirar cavalos. Vão os romeiros subindo a outra margem da ribeira do Despe-te Que Suas, nome de acertado baptismo para tão íngremes barrancos que a guardam muito funda.
Já no fim da ladeira, uma cruz ao lado da estrada assinala que ali morreu um romeiro, há muito tempo. Foi mudada um pouco mais para baixo do sítio certo, para não incomodar o trânsito, porque todos os ranchos param numa prece por alma daquele irmão de que a maior parte nem conhece o nome. Manuel Viveiros Arruda, digamos que era, porque se sabe que sim. Em Março seria, de mil oitocentos e cinquenta e quatro, o dia de que se guarda tão longínqua memória. Vinha das Sete Cidades, nome mítico da ilha, ou outro nome da ilha, que precedeu, no imaginário medieval, o mais cristão que lhe deram depois da descoberta. Ia meter-se o rancho à subida da encosta, e o pobre homem, convencido de que para tantos seus pecados era pequena a penitência que fazia, pediu licença ao mestre para levar às costas uma pedra que lhe aliviasse a alma por lhe pesar o corpo. O mestre que não, e ele que, em vez disso, carregaria os bordões de todos os irmãos. Subisse em paz, como os outros, que decerto lhe bastava ser bom romeiro e Deus lhe tomaria isso em conta. Sabe-se lá que pecados lhe pesavam na alma – talvez não muitos, porque, às vezes, quem menos peca é que maior pecador se julga -, o certo é que o arrependido penitente se agarrou mesmo a uma pedra do tamanho que lhe pôde o remorso, mais forte do que a resistência do corpo, e foi cair morto de exaustão, e com a consciência lavada pelos últimos suores, ao lado da pedra que deixou tombar quando se lhe acabavam a ladeira, as forças e a vida. E esse romeiro obscuro, que parece ter resistido a toda a subida para morrer mais perto do céu, tem com certeza sempre mais gente a rezar por si, em tempo certo, do que qualquer rei ou qualquer papa.
Chega-se, pois, tarde ao fim, e, com ele, a primeira jornada do rancho, que lentamente se aproxima de Santo António, onde espera a caridade de um cristão acolhimento. João será mandado pelo mestre, logo depois de entregues as crianças, com um romeiro muito mais velho que já fez para cima de uma dúzia de romarias.
Quem os acolhe é pobre, mas tem a mesa posta com fartura, coisa que João nota enquanto saúda “seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo”, e ouve a resposta “Seja para sempre louvado com Sua e nossa Mãe Maria Santíssima”. Encosta o bordão à parede, despe o xaile, tira das costas a saca com o pão e a garrafa de água, e deixa pelos ombros o lenço e ao pescoço o terço de contas de lágrimas e cruz de latão, em sinal de que é romeiro. A dona da casa traz uma bacia de água quente com sal, como é costume. João sente vergonha por ter de lavar os pés à vista de estranhos, mas o calor reconfortante da água acalma-lhe um pouco o ardor que lhe sobe deles pelas pernas acima.
Ao sentarem-se à mesa, anuncia que está a pão e água. […]
- Mas, a pão e água, é um sacrifício muito grande. O irmão não vai aguentar.
Havia de aguentar, sim. Por muito pior já passara, e a cruz de guerra de quarta classe era o testemunho desse tal milhão de horrores, porque um diploma assim só se dá a mortos ou aos que o foram quase.
Daniel de Sá, Ilha Grande Fechada