sexta-feira, 25 de julho de 2008

O culto do Espírito Santo 2

Porque na Terceira estão a decorrer as Festas da Guarita e não sei falar delas, limito-me a transcrever parte do artigo O Fogo do Espírito Santo nos Açores, de Paulo Loução. É a minha forma de homenagear, nesta época, as gentes da Terceira e as suas tradições.

Império do Espírito Santo
Quando chegámos a esta ilha [Terceira], logo deparámos com o vivo colorido e a alegria que emanam dos sessenta e oito impérios que povoam este pedaço de terra circundado pelo grande oceano. Estes impérios são umas “capelas” sui generis do Espírito Santo pertencentes às respectivas irmandades laicas. Com este estilo arquitectónico, constituem uma característica desta ilha e começaram a ser construídos no século XVII. Nas outras ilhas existem casas e capelas do Espírito Santo e os triatos ou teatros, pequenas construções de madeira que são montadas na época dos festejos. […]
Massa sovada
O ciclo do Espírito Santo tem início no último domingo dos festejos, quando se realiza o pelouro logo a seguir às arrematações das ofertas. O pelouro é o sorteio realizado entre os irmãos do império, que se propõem para o efeito – normalmente cumprindo uma promessa – e que designará quem será o imperador em cada semana que vai da Páscoa até ao Domingo de Pentecostes, nuns casos, ou Domingo da Trindade, noutros casos. Serão assim sete ou oito semanas. Aquele a quem, no pelouro, sair o número um, será o responsável pelos festejos na primeira semana e ficará com a coroa do Espírito Santo durante todo o ano. Colocada no trono – um altar doméstico – a coroa será objecto de veneração e constituirá objecto de grande contentamento para aquele a quem calhar esta “sorte” no pelouro. No ano seguinte, assim que acaba a Páscoa, entra-se em plena época do Espírito Santo. Durante cada semana realizam-se as alumiações – misto de veneração das insígnias do Divino e de convívio alegre a que não faltam os olhares namoradeiros – na casa do imperador ou a reza do terço no império, canta-se o pezinho ao imperador e às pessoas que realizam generosas ofertas ao Espírito Santo, tradição que, em parte, lembra as janeiras, porque um grupo vai de casa em casa cantar o pezinho aos benfeitores do império. […] A sexta-feira é o dia do sacrifício do bovídeo, com vista ao bodo que o imperador, no domingo, oferece aos seus convidados. […] No domingo realiza-se a primeira procissão que vai a casa do imperador buscar a coroa, o ceptro e a salva, que é transportada ritualmente por jovens vestidas de branco para a igreja onde se realiza a cerimónia da coroação. Recordam as guardiãs do Graal e as vestais romanas. A bandeira do Espírito Santo, de fundo escarlate com a pomba bordada, segue sempre à frente na procissão. […] A seguir à coroação, nova procissão segue para o local do bodo […]. Uma vez finalizado o bodo ou banquete comunitário, o imperador segue em cortejo até ao império, ou em direcção à residência do imperador da próxima semana, entregando-lhe as insígnias do império. Estas procissões, onde o clero está ausente, são realizadas com grande solenidade. Hoje em dia, são acompanhados pelas filarmónicas, antigamente eram-no pelos foliões. Foi uma grande perda, porque os foliões sintetizavam tradições muito antigas. […]
O apogeu das festas acontece no fim-de-semana do Domingo de Pentecostes, prolongando-se em muitos lugares até ao Domingo da Trindade. Na sexta-feira, os bovídeos são enfeitados e realiza-se a “procissão do vitelo”, e posteriormente são “sacrificados” os animais necessários para o bodo colectivo e para a distribuição de esmolas aos pobres. […] O largo principal da povoação respira este estado de espírito colectivo. Depois da coroação, realiza-se o bodo ou a função, ou seja, um banquete ritual para o qual são convidados todos os que estejam presentes no local. Nós próprios tivemos oportunidade de participar na função do Império dos Remédios, que foi servida a mais de trezentos convivas com uma organização impecável: não houve nem stress, nem esperas prolongadas. Foram servidas a tradicional sopa do Espírito Santo e a alcatra, exemplarmente confeccionadas e acompanhadas com vinho “aprovado” pelos mordomos do Império. Nesta irmandade não se realiza o pelouro, nem existem imperadores, mas somente mordomos. A coroação é realizada com crianças. No domingo à noite, o “cabeça “ da mordomia, se desejar continuar nessa função, vai com a bandeira do Espírito Santo bater à porta daqueles que deseja para mordomos do ano seguinte. Os novos eleitos são apanhados de surpresa e respiram fundo, pois a organização dos festejos é muito trabalhosa, mas normalmente acabam por aceitar porque “ninguém se atreve a negar ao Divino Espírito Santo.” O Espírito Santo é o Deus Vivo dos açorianos, um Deus que se manifesta em vários símbolos, como a pomba e a coroa, mas que, […], nunca é antropomorfizado, o que recorda a tradição celta.
Interior do Império dos Remédios
Nestes festejos, muitas outras actividades que diferem de lugar para lugar, tendo, no entanto, uma estrutura comum. Realizam-se touradas à corda, bodos de leite, distribuição de massa sovada aos irmãos, cantorias improvisadas, actuações das filarmónicas e grupos folclóricos, etc. […]
[…]estes festejos [...] são realizados como um voto propiciatório para a abundância de bens, para a fertilidade das colheitas e saúde do gado. […] são uma exaltação aos dons da Terra, sacralizados pelo Espírito Santo, um culto agrário com fundamento iniciático.
Mas também está imanente um culto do fogo, pois é crença geral que o fogo do Espírito Santo pode apaziguar o fogo vulcânico das ilhas e tem uma forte componente social, representando cada império a alma espiritual de uma pequena comunidade.
Pudemos observar que, quando o cortejo do Império dos Remédios passou por outro império, os mordomos desse Império colocaram a sua coroa à porta dessa “capela”, como que a saudar a coroa que representava o Império dos Remédios. Foi comovente presenciar este detalhe simbólico. O sentido arcaico da convivência humana, a fraternidade e a coesão social estão presentes neste culto. […]
[…] damos a palavra ao consagrado escritor açoriano Vitorino Nemésio: “É uma verdadeira instituição social esta usança que a todas as ilhas se estende e tem a solidez e a eficácia de um município ou de uma comuna. Cada freguesia, rua ou lugarejo erige a sua mordomia ou irmandade, com um templo próprio e inteiramente original na arquitectura religiosa de todo o orbe católico. Chama-se império ou teatro; e em verdade ali se representa uma tragédia mística, com bezerro imolado, pão de cabeça enfeitado de ervas cheirosas, e uma comparsia de foliões, de pajens, de alferes e vereadores que lembra a organização de uma comunidade medieval. A festa é pagã, de um ruído e de uma cor que desnorteiam e deslumbram; mas lá tem o seu fundo de caridade cristã bem entendida para lavar toda a mancha de profanidade desenvolta.”
Paulo Loução, O Fogo do Espírito Santo nos Açores,
in Lugares Mágicos de Portugal e Espanha

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A pedido...

O QUEIJO, de Daniel de Sá

Ver: http://luardejaneiro.blogs.sapo.pt