A manhã de 25 de Abril chegou bonita e tranquila na cidade de Ponta Delgada, ilha de S.Miguel. Ainda cedo, vou ao Aeroporto para entregar uma pequena encomenda dirigida ao governador do distrito da Horta. Noto que há uma inactividade estranha, os aviões estão todos na placa..entro no terminal e dou de caras com um funcionário da Sata que conheço e com quem estivera, na véspera, a beber uns copos..e é ele que me diz "há qualquer coisa em Lisboa..recebemos ordens para fechar o Aeroporto, não há voos.." Eu não percebo bem o que ele diz,julgo que ainda está um bocado etilizado e a dizer disparates, mas ele insiste.."há problemas em Lisboa.." E havia. A Emissora Nacional suspendera as emissões, o Rádio Clube não conseguiamos ouvi-lo, as ligações telefónicas estavam cortadas..Passou-se o dia à espera, em suspense..o que estaria a passar-se, de facto? Ao fim da tarde, lá para as 7 e tal, finalmente, a EN voltou a transmitir e então começou a entender-se o que se passava. Em Lisboa, fizera-se uma Revolução. E o dia era, de acordo com o calendário, o de 25 de Abril de 1974.
Durou pouco o "temps des cerises" nos Açores. Passada a euforia dos primeiros dias, aquela estranha sensação de que algo de profundo acontecera, começaram a aparecer os sinais de ventos contrários. Chegaram com pézinhos de lã, tudo muito democrático, mas a linguagem de quem escrevia deixava escapar os sinais de desconforto perante a Liberdade e as perspectivas de mudança..e se os Açores precisavam de mudança.. Ingénuamente, pensei que seriam contrariedades pouco significativas. Enganei-me. E outros comigo (afinal, não eràmos assim tantos). E, em crescendo, surgiram os problemas: as ameaças quase fisicas, as pinchagens nas paredes da cidade e arredores, com mensagens muito explicitas, os incêndios de automóveis..até ao clímax, em Junho de 75 - 6 de Junho de 75, mais precisamente, data de fecho da Revolução dos Cravos no arquipélago. Durara pouco, o 25 de Abril. Se calhar, foi o possível, à medida da dimensão das nossas ilhas Depois, foi Lisboa, numa espécie de ressurgimento, também de pouca dura. Novembro chegaria, com outro 25. E a Revolução encerrou para obras. Sem reabrir com nova gerência. Não me arrependo de nada. Como dizia um amigo meu de infância, morto na Guiné, fez-se o que se pode fazer.. 25 de Abril, sempre!
Dica, Abraço fraterno e um pouquinho da água dos olhos para não deixar morrer o cravo.
João, Como diz a Ibel, "eu muito gosto de te ouvir contar histórias". Verdadeiras e sentidas.
Meus amigos, Apesar da nossa mágoa, também depende de nós, nem que seja só um pouquinho, manter vivo o espírito de Abril. Quem sabe? Talvez um dia seja possível.
Tens toda a razão, há que guardar Abril nos nossos corações. Foi o que nos tocou, e não foi pouco..termos participado, cada um à sua maneira num acontecimento histórico: um país em plena Europa que, no século XX se liberta do fascismo, através de uma acção militar. A História não se repete e se, em 74, não fomos mais longe foi porque a tanto nos faltou engenho. Mas ninguém nos tira - à nossa geração - o termos vivido esses tempos. Pode não ter sido o que esperávamos, mas foi, por certo, um passo mais na marcha da História. Outros virão,por outras formas e feitos por outras gentes, mas fica-me (fica-nos) o gozo de termos tido o nosso quinhão no processo.
Otília Fraião, a poetisa faialense que fugiu com o inglês, nos anos 50, vive em Barcelona, com os seus oitenta e tal anos. Não permitiu que fizessem um filme da vida dela. Não quer saber do Faial e pede que a deixem em paz.
Foi isto, João, que ouvi numa tertúlia no "Amor da Pátria"... e eu não disse palavra!!!
Mar de Bem, sabia que ela em 2005 ainda era viva e que estava numa localidade chamada Berdun, na Catalunha. Impressiona ver como mais de 50 anos depois nem Otilía nem a familia no Faial se aproximam..Como se pode ficar tão distante durante tantos e tantos anos..? Que queixas e que dores assim tão fortes existirão ? Amuos tão sentidos que até te fazem não dizer uma palavra..É obra!
11 comentários:
Abril,estás desbotado.Ainda respiras e tens cheiro.Não morras!
Abraço fraterno
A manhã de 25 de Abril chegou bonita e tranquila na cidade de Ponta Delgada, ilha de S.Miguel. Ainda cedo, vou ao Aeroporto para entregar uma pequena encomenda dirigida ao governador do distrito da Horta. Noto que há uma inactividade estranha, os aviões estão todos na placa..entro no terminal e dou de caras com um funcionário da Sata que conheço e com quem estivera, na véspera, a beber uns copos..e é ele que me diz "há qualquer coisa em Lisboa..recebemos ordens para fechar o Aeroporto, não há voos.."
Eu não percebo bem o que ele diz,julgo que ainda está um bocado etilizado e a dizer disparates, mas ele insiste.."há problemas em Lisboa.."
E havia. A Emissora Nacional suspendera as emissões, o Rádio Clube não conseguiamos ouvi-lo, as ligações telefónicas estavam cortadas..Passou-se o dia à espera, em suspense..o que estaria a passar-se, de facto?
Ao fim da tarde, lá para as 7 e tal, finalmente, a EN voltou a transmitir e então começou a entender-se o que se passava. Em Lisboa, fizera-se uma Revolução. E o dia era, de acordo com o calendário, o de 25 de Abril de 1974.
Durou pouco o "temps des cerises" nos Açores.
Passada a euforia dos primeiros dias, aquela estranha sensação de que algo de profundo acontecera, começaram a aparecer os sinais de ventos contrários.
Chegaram com pézinhos de lã, tudo muito democrático, mas a linguagem de quem escrevia deixava escapar os sinais de desconforto perante a Liberdade e as perspectivas de mudança..e se os Açores precisavam de mudança..
Ingénuamente, pensei que seriam contrariedades pouco significativas. Enganei-me. E outros comigo (afinal, não eràmos assim tantos).
E, em crescendo, surgiram os problemas: as ameaças quase fisicas, as pinchagens nas paredes da cidade e arredores, com mensagens muito explicitas, os incêndios de automóveis..até ao clímax, em Junho de 75 - 6 de Junho de 75, mais precisamente, data de fecho da Revolução dos Cravos no arquipélago.
Durara pouco, o 25 de Abril. Se calhar, foi o possível, à medida da dimensão das nossas ilhas
Depois, foi Lisboa, numa espécie de ressurgimento, também de pouca dura. Novembro chegaria, com outro 25. E a Revolução encerrou para obras. Sem reabrir com nova gerência.
Não me arrependo de nada. Como dizia um amigo meu de infância, morto na Guiné, fez-se o que se pode fazer..
25 de Abril, sempre!
Ó joão,
Eu muito gosto de te ouvir contar histórias.Continua...
25 DE ABRIL SEMPRE!!!!!!!!
Dica,
Abraço fraterno e um pouquinho da água dos olhos para não deixar morrer o cravo.
João,
Como diz a Ibel, "eu muito gosto de te ouvir contar histórias". Verdadeiras e sentidas.
Meus amigos,
Apesar da nossa mágoa, também depende de nós, nem que seja só um pouquinho, manter vivo o espírito de Abril. Quem sabe? Talvez um dia seja possível.
...e cada vez mais ABRIL vai fenecendo... Guardêmo-lo em nossos corações!
Cara Mar de Bem
Tens toda a razão, há que guardar Abril nos nossos corações. Foi o que nos tocou, e não foi pouco..termos participado, cada um à sua maneira num acontecimento histórico: um país em plena Europa que, no século XX se liberta do fascismo, através de uma acção militar.
A História não se repete e se, em 74, não fomos mais longe foi porque a tanto nos faltou engenho. Mas ninguém nos tira - à nossa geração - o termos vivido esses tempos. Pode não ter sido o que esperávamos, mas foi, por certo, um passo mais na marcha da História.
Outros virão,por outras formas e feitos por outras gentes, mas fica-me (fica-nos) o gozo de termos tido o nosso quinhão no processo.
Beijocas e abraços
É verdade, João!
A talhe de foice...
Otília Fraião, a poetisa faialense que fugiu com o inglês, nos anos 50, vive em Barcelona, com os seus oitenta e tal anos. Não permitiu que fizessem um filme da vida dela. Não quer saber do Faial e pede que a deixem em paz.
Foi isto, João, que ouvi numa tertúlia no "Amor da Pátria"... e eu não disse palavra!!!
Mar de Bem, sabia que ela em 2005 ainda era viva e que estava numa localidade chamada Berdun, na Catalunha. Impressiona ver como mais de 50 anos depois nem Otilía nem a familia no Faial se aproximam..Como se pode ficar tão distante durante tantos e tantos anos..? Que queixas e que dores assim tão fortes existirão ?
Amuos tão sentidos que até te fazem não dizer uma palavra..É obra!
João e Margarida,
Essa hostória é fascinante.gostaria de conhecer a heroína.Se gostaria!
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