quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Memórias com 50 anos

O vulcão dos Capelinhos
Há 50 anos atrás, tinha acabado de fazer oito anos, vivia na cidade onde nasci (Barcelos) e preparava-me para, dez dias depois, voltar à escola e frequentar a minha 2ª Classe. Nesse tempo, o ano lectivo começava sempre, no Ensino Primário, a 7 de Outubro.
Lembro-me de, por esses dias, ter ouvido dizer que, nos Açores, o vulcão dos Capelinhos entrara em erupção. Não percebia, então, muito bem o que era um vulcão ou uma erupção; e, acerca dos Açores, tinha ideia de que era um lugar longínquo do nosso país. Com certeza que pedi explicações aos meus pais e irmãos mais velhos. Duvido que tivesse ficado esclarecida, mas “o vulcão dos Capelinhos” nunca mais abandonou a minha memória. Imagens dessa época não guardei, porque ainda não havia televisor lá em casa. A RTP tinha começado as suas emissões, precisamente, seis meses antes, a 7 de Março de 1957.
Só no dia 5 de Outubro de 2001, me foi permitido ver aquele pedaço de terra que o vulcão acrescentou à ilha do Faial. Foi um momento especial: um misto de fascínio e de respeito por este Planeta vivo que habitamos e cujo poder, por vezes, esquecemos.
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[“Lembro-me de que primeiro começaram os tremores de terra miudinhos, mas depois os abanões tornaram-se mais fortes, pelo que fui com o meu marido para uma casa mais baixa. Só no dia seguinte, de manhã, é que o meu sogro me disse que tinha rebentado um vulcão.” Num relato apaixonado, continua a desfiar a memória de juventude. Sua e do vulcão. “Como não sabia bem o que era, deu-me grande curiosidade e quis ver: havia água a ferver, parecia um lago, mas não tinha medo nenhum, só me assustava de vez em quando com as explosões. Mas mesmo quando ele deitava coisas para o ar, fumo, areia e pedras, achava que era ao mesmo tempo muito bonito. Mesmo não sendo bom para a agricultura e para as casas, tive um pouco de pena quando me fui embora, porque não consigo mentir – as explosões eram mesmo muito bonitas, sobretudo à noite. Ainda agora, aos domingos, costumo passear com a família até ao vulcão. Está diferente, é verdade, mas continua a ser um bom vizinho.” Também Manuel de Vargas Garcia foi um espectador privilegiado. Vive na cidade da Horta, entretido com o alindamento do seu jardim, e não tem dificuldade em recuar 50 anos no tempo: “Estava no Varadouro a passar férias e senti vários tremores de terra nessa tarde. Claro que fiquei preocupado, mas não liguei muito, tanto mais que à noite, apesar de muito escuro, tudo ficou mais calmo. Mas não dormi nada, porque os abalos voltaram a surgir. Quando amanheceu, decidimos voltar para a Horta e só quando chegámos é que soubemos que havia um vulcão. Depois, voltei lá várias vezes para ver o fenómeno.” E o fenómeno marcou-o para toda a vida: “Parecia uma panela de água a ferver, intercalada por explosões. Nessa altura tinha 35 anos, por isso recordo-me perfeitamente. Era, aliás, um sítio que conhecia muito bem, pois aquela baía era um paraíso de fauna e de flora, e costumava ir para ali pescar. Claro que quando apareceu o vulcão, tudo isso acabou.” Mas a nostalgia desses tempos nunca abandonou o espírito de Manuel Garcia: “Sempre que posso, ainda vou lá vê-lo para saber como está o vulcão que vi crescer.” A erupção submarina prosseguiu nos dias seguintes, enchendo o lugar de cinzas, escórias, roncos assustadores e cheiros sulfurosos. Os campos de cultivo e as pastagens cobriram-se de cinzento e as casas das imediações, nomeadamente no Capelo e no Norte Pequeno, ruíram ou abateram com a força dos tremores e pela acumulação da cinza. Surgiram, assim, os primeiros sinistrados, embora não houvesse vítimas a lamentar. Cinco dias depois, o vulcão já tinha emergido do mar e formara uma ilhota – baptizada de ilha Nova – de forma anelar, com 600 metros de diâmetro e 30 de altura. Duas semanas depois, crescera mais 200 e 70 metros, respectivamente. Ao longo do mês de Outubro, com a acumulação dos materiais expelidos, formou-se um istmo que abraçou os ilhéus dos Capelinhos e aproximou a ilhota da costa. A actividade incrementou e a coluna de vapores e cinzas atingiu grande altura, sobretudo porque parte da cratera era aberta ao mar, sendo assim inundada pelas vagas. Ninguém sabia o que iria acontecer, mas os receios eram fundamentados – a terra não parava de tremer. Nada que impedisse que, no meio deste turbilhão incandescente, alguns loucos corajosos tenham arriscado a pele para garantir a soberania daquele pedaço de terra fumegante para o Estado português. Havia receio de que a ilha Nova fosse reclamada por outra nação, como se não estivesse já em águas territoriais portuguesas. No dia 13 de Outubro, então, o jornalista Urbano Carrasco, do “Diário Popular”, e o cineasta Carlos Tudela, da RTP, entre outros, desembarcaram na ilha vulcânica e, ziguezagueando entre bombas e cinzas lançadas pela cratera principal, fincaram no solo uma bandeira portuguesa. Regressaram felizes e foram recebidos como heróis – um final feliz para um dos episódios mais surrealistas da história dos Capelinhos.]
Excerto da NATIONAL GEOGRAPHIC Portugal,
de Setembro, que publica o excelente artigo
"Capelinhos - O vulcão que mudou os Açores"

2 comentários:

Terceirense disse...

Terra de lava e calor, momento de cinzas e dor, feito ilha que seu povo tem amor.

Descobri este blogue e encantei-me...

Elisabete disse...

Obrigada!
Também tenho visitado o seu blogue. Sei que é da Terceira e faz poesia, uma coisa que eu não consigo fazer.
A minha ligação aos Açores, sobretudo a S. Miguel, é porque vivi lá ans anitos e apaixonei-me. Mas, a sua ilha é também muito bonita. Angra é uma cidade lindíssima.
Não sou, portanto, açoriana de nascimento, mas sou-o pelo coração.
Felicidades para si!