Daniel de Sá, Ilha Grande Fechada
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Nos Açores, com a cal e o basalto
Fui à Ribeira Grande por causa do Niizuma – e deparei com uma cidade lavada pelo mar; igrejas e casario antigo de grandes panos brancos com portais, e janelas e varandas debruadas de basalto; nas fachadas festões e grinaldas, colunas e medalhões, e mais flores, numa profusão barroca e musical, tudo bordado com a mesma pedra escura. Eu andava fascinado com a arquitectura açoriana – como nas ilhas gregas, a brancura entrava-me pelos olhos e persistia até mesmo quando os fechava. Lisboa e Porto deveriam contemplar o asseio destas ruas e destes muros resplandecentes, em vez de cantarem de galo. Mas nem só Ponta Delgada ou Ribeira Grande ou Vila Franca do Campo são senhoras de tal sortilégio, também em Angra a brancura corre para o mar. Só que, na Terceira, a sedução maior é doutra natureza: está naquela costa, entre Praia da Vitória e Monte Brasil, de pequenas casas dependuradas nos rochedos, com muros rasteiros em pedra solta a resguardar do vento umas leiras do tamanhinho duma lágrima. A rudeza que Matias Aires dizia ir bem à arte, vai ainda melhor à paisagem; esta beleza, onde qualquer ornato seria uma ofensa, de tal modo tomou conta de mim, que me passou pela cabeça acabar os dias a podar meia dúzia de videiras enfezadas em Porto Martins ou em Porto Judeu, e a reler o Nemésio, mestre de poesia e de amizade.

Mas tenho de regressar ao Niizuma, que não lida com anjos, mas com a pedra vulcânica da ilha. Eu vinha da Lagoa do Fogo e do Salto do Cavalo quando tombei na pedreira da Ribeira Grande. Antes, calhou ter almoçado no restaurante onde o japonês comia. Havia muitas pedras no hall e houve até em tempos uma de Niizuma, entretanto roubada. O dono da casa foi-me falando dele, enquanto o almoço não chegava. Já à vista da pedreira, depara-se com a peça doutro japonês – Diapasão, de Hohnari, em basalto, frente ao mar; será difícil encontrar-lhe melhor enquadramento... quando a pedreira mudar de sítio. Mais adiante estão as esculturas de Niizuma, rodeadas de montões de pedra britada. São três, mas já só duas estão de pé. A outra caiu com os temporais; todos os pedaços estão no local onde tombaram, não será difícil reconstituí-la pelas fotografias existentes. As peças são furadas, para um dia se transformarem em fontes. Pedra, céu e água misturavam-se no pensamento do artista. E como disse o poeta João Miguel Fernandes Jorge, as pedras “estão cortadas segundo conceitos de mensurabilidade e de durabilidade causal que se vão adequar num mundo natural: terra, aves, mar, céu, tempestade”. O actual proprietário da pedreira disse-me que o mestre japonês concebera e criara as esculturas para espaços previamente escolhidos: uma para o aeroporto de Ponta Delgada, as duas restantes para o triângulo de relva junto ao forte de S. Brás, na mesma cidade. De que estão os açorianos à espera para que estes trabalhos ocupem o seu espaço natural, eles que, magnificamente, estão tão próximos da natureza?
Vim aos Açores para ver o Niizuma e, da parte de António Nobre, pôr umas flores no túmulo de Antero: mas regressei a casa de olhos ardidos, como diz o meu poeta, da devastadora beleza das suas ilhas.
Eugénio de Andrade, À Sombra da Memória
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Lendas dos Açores 6
A Promessa do Capitão-Mor
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A última oração depois do jantar em casa do capitão-mor da vila de Santa Cruz da Graciosa foi uma salve-rainha em louvor de Nossa Senhora da Vitória. Nem naquela casa, nem em nenhuma outra se esqueciam da intervenção da Virgem em livrá-los dos piratas que haviam invadido a ilha em 1623. Gil de Quadros Machado, como bom cristão e bom ilhéu, sabia ser agradecido. Estamos no derradeiro sábado de 1669.
A esposa e as duas filhas do capitão-mor – uma era Clélia, a outra, Anunciação – apreciavam a maneira docemente evocadora como ele falava dos seus ancestrais. Finalmente, como um convite a retirarem-se para os seus aposentos, um morcego entrou na sala, pouco incomodado com a mortiça luz das velas. Porém, o morcego perturbou o capitão-mor, que o teve como agoirento.
E não andaria muito longe de se confirmar o que poderia ser tomado por superstição. Gil de Quadros acordou com fortes pancadas na porta de sua casa. Era um soldado que vinha preveni-lo do que se passava. Piratas ingleses haviam desembarcado na Vila da Praia e começavam a atacar a população. A situação era dramática. Por isso, o capitão-mor mandou tocar a rebate e uma vez mais se dirigiu a Nossa Senhora, oferecendo as suas filhas como freiras se Deus livrasse a vila de Santa Cruz dos invasores.
Foto: Maurício Abreu

E assim, na Sexta-Feira Santa seguinte, ajoelhado ante a imagem e Nossa Senhora da Ajuda para que o ajudasse, ouviu uma voz dentro de si que lhe dizia:
- O Senhor compadece-se de ti, meu filho. Por isso, concede-te que te desligues do teu voto. O seu sinal será o pousar de duas pombas brancas nas hastes da cruz do porto da barra ao nascer do Sol de Quinta-Feira da Ascensão.
Gil de Quadros soube esperar o sinal, e no dealbar do referido dia ali estava o capitão-mor olhando a cruz, à espera do sinal do Senhor. E duas pombas brancas foram pousar no sítio anunciado. E nesse mesmo dia, com o coração cheio de felicidade, ele foi a Angra buscar as filhas ao convento.
José Viale Moutinho, Lendas dos Açores
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