Não conhecia esta reportagem, ainda bem que a trouxeste aqui. Recordo que em S.Miguel, em dias de bom tempo, na cumieira das Sete Cidades se via um clarão vermelho no horizonte, que nos dizia que o vulcão estava ali. Felizmente, na minha ilha nunca passàmos por episódios desses,embora fossem relativamente frequentes os abalos de terra - o primeiro dos quais senti por volta dos meus 4 anos. Em 1973 houve uma crise sismica violenta, que apanhou as ilhas do Faial e do Pico; cheguei à Horta (já havia Aeroporto) no dia seguinte aos primeiros safanões e logo na Aerogare fomos brindados com umas "ondulações" do chão, prolongadas por mais umas tremuras à noite; eu e outros colegas ficàmos na Residencial do Infante e, ao fim da madrugada, sentiu-se um novo "esticão"..por tal forma que um senhor dos serviços de Meteorologia, que tinha ido também de S.Miguel,por pouco não saltou da janela da Residencial para a rua. A Horta parecia, nesses dias, uma cidade fantasma, não sei onde se metiam as pessoas.. Entretanto, chegou ao porto um navio da Armada, com alguns elementos que eu conhecia, e, sem sabermos muito bem o que fazer, fomos,à noite, ao bar do Hotel Faial..eramos nós, uns 4 ou 5, e uma jovem empregada. Instalados à volta de uma mesa,começa a ouvir-se o som que me faz sempre pensar que estão a arrancar um dente à terra..e depois, vimos as paredes da sala, de granito, com tinta branca nas junções, a mexer-se..a mexer-se estúpidamente..ao mesmo tempo que o chão ondulava. Como usa dizer-se, foram segundos que duraram uma eternidade, mas nada se partiu, nada se quebrou - foi como se a pedra, das paredes e do chão, fosse de papel.. no ar ficou um pouco de pó.. e o espaço recuperou a rigidez e estabilidade normais..Como se nada tivesse sucedido. Nesse dias fui ao Pico - tal como na Horta, também ali tinha havido estragos - e recordo bem a forma como as pessoas encontraram alternativas para se abrigarem; terra de adegas, iam buscar as enormes pipas de vinho que lá estavam, colocavam-nas na rua,à horizontal, tiravam uma das tampas, levavam colchões e cobertores e dormiam lá dentro..O pavor era tal que me lembro de alguém que tinha qualquer coisa em casa de que necessitava, mas que não conseguia passar a porta da residência, por medo, acabando eu, que não tinha passado pelos piores momentos da crise, a entrar na habitação, para ir buscar já não sei o quê..
O vulcão, entretanto, e como se diz na reportagem, levou a que a ilha do Faial passasse a ter menos de metade da população habitual, em consequência do processo de emigração para os EUA que teve lugar na altura..e a verdade é que essa possibilidade de saída foi aproveitada por muita gente, até de S.Miguel; na minha rua, uma familia inteira conseguiu emigrar, por ter um parente que era natural do Faial. A falta de pessoas era notória.. e, já nos anos 60,quando tinha de viajar até à Horta, fazia-me impressão ver tão pouco gente na cidade..Não que Ponta Delgada fosse assim uma Lisboa, mas a diferença era, de facto, muito grande e até afligia..principalmente nos meses de Inverno, quando tudo parecia mais triste.
Saudações atlânticas
PS - Parabéns pelo Café do Peter na Ribeira. Fico com inveja, o que existe no Parque das Nações recria o ambiente, mas o Tejo ali na zona, é uma espécie de "mar morto". Aí têm a magnifica Gaia em frente..
Ibel, já que aqui veio,e com permissão da Elisabete, deixe-me dizer-lhe uma coisa (tive pudor em fazê-lo no seu blogue..) Abençoado Luis Costa pelas palavras que recebeu..e abençoada Ibel pelas palavras que lhe deu.. Fico feliz por ver acontecer coisas assim.
Como diz a Ibel, és um espanto, João. Tens memórias riquíssimas que devem ser contadas aos outros. Obrigada por as partilhares connosco. É verdade que o Peter do Porto fica num lugar muito bonito. Adoro estar ali, sobretudo ao entardecer, a saborear a calmaria. Agora vou ao blogue da Ibel ver o que é isso do Luís Costa. Um abraço
P.S. Parece que hoje a terra tremeu na Terceira. Felizmente, coisa pouca.
A partida do "Ponta Delgada" era sempre à 2ªfeira, por volta das 22H. Saída de S.Miguel para, oficialmente, as ilhas do oeste, em giria micaelense, para as ilhas ou para as ilhas de "baixo". No Inverno, era uma partida pobrezinha, meia dúzia de gatos pingados para embarcar - alguns militares colocados no 17, na Terceira, gente que tinha vindo a P.Delgada por razões de saúde e alguns caixeiros-viajantes..estes últimos, coitados, sofrendo a valer, com as malas do mostruário a reboque, carrega e descarrega aqui e ali, umas vezes no porto, outras para a lancha que acostava ao navio. Pena que nunca algum deles tenha escrito para dizer das suas peripécias (não exactamente caixeiro-viajante, mas sim delegado de propaganda médica, como então se dizia, Carlos Faria, "açoriano" da Golegã, poeta apaixonado pelas ilhas, particularmente por S.Jorge,também frequentava o barquinho nestas viagens). Dado às coisas do mar, meteorologista por gosto, no Domingo que antecedia a saída, eu já sabia o que me esperava; se o Sol nos aparecia mortiço, escondido nas nuvens, estava meio palpite feito. E se à noite, o vento soprasse raso ao mar, dentro do porto, fazendo assim umas crispaçõezinhas na superficie da água..é, estava visto, a viagem do dia seguinte ia ser dançante. O navio saía de junto dos guindastes na doca, tempinho inclemente, os "carros de praça" (táxis) traziam as pessoas e ala bote, a mim levava-me o meu pai, um beijo, boa viagem..se eu fosse para o Faial acrescentava "cuidado com os copos..", ele sabia como era. Nada que se comparasse à partida dos paquetes, com a doca cheia de gente e de automóveis, os meninos iam para Lisboa (mesmo que fossem para Coimbra ou Porto) estudar, mamãs e papás, mais namoradas e amigos tudo no cais, os navios até apitavam à largada, 3 toques, a lancha dos pilotos respondia com outros 3, vinha o toque final, até à volta, boa viagem, tenham juízo e estudem.. Maletas a bordo, falta alguém? dava para confirmar rápidamente, tão poucos eram os navegantes, tá tudo, toca a andar, até ao farol da ponta do molhe é um pulinho, está dobrado e chega um cheirinho do mar que nos espera, ainda coisa pouca, os passageiros sabem que até à ponta da Ferraria nos Mosteiros se está a coberto da costa, aproveitam para tentar adormecer antes de lá chegar..Eu não, gosto de ver as marradas do navio no mar, vou ao bar antes que o João Toco o feche, tomar o uísquinho da praxe, ele já me conhece, é generoso nas medidas, e sigo para a ponte, do lado de fora, canadiana vestida, cara ao vento, vamos lá a ver o que está aí para a frente, algum receio, combatido por discorrências interiores - então, gostas tanto do mar, como é, és marinheiro de "mar de senhoras"? - lá está, a luzinha do farol da Ferraria, ora bem, bico da proa aberto ao tempo, vem a primeira, catrapum!lá vai disto, a águinha vem por por aí acima,vai navio arriba, vem navio abaixo, o mar está de proa, melhor assim, só se ouve o vento, mais as pancadas das ondas na estrutura do paquetinho, meia hora depois dá para perceber o ritmo do balanceio, tudo bem,já me salguei, sai uma boa noite para o homem do leme, pressinto-o, mais do que o vejo, pela ponta do cigarro, vermelha, dentro da ponte de comando sem luzes..vou até ao camarote, penso que sabia bem outro uísquito antes de abordar o beliche, mas não há, o Toco a esta hora já sonha com a sua Angola.. De manhã, à volta das 7, está-se no porto de Pipas, a bela Angra toda ali, o Páteo da Alfândega com a sua bela Igreja de caras para a baía, vai dar tempo para uma voltita, um verdelho no Manuel Bailhão, almocito no Beira-Mar ou na Adega Lusitânia, depois a partida até outra freguesia, Sta.Cruz da Graciosa,virá a seguir S.Jorge,com paragem nas Velas - vamos ter as cenas do costume, embarcam pipas e vacas, desembarcam e embarcam passageiros, ai o balanço, o navio para cima, a lancha para baixo, só se salta quando eu disser, manda o homem do portaló, um calmeirão do Pico,(só podia ser da ilha-montanha..) conhecido em tudo o que é terra dos Açores - lá vem o carteiro das Velas, fardado a preceito, chapéu e tudo, eu estou na amurada, quando ele entra, não resisto e digo-lhe - ó homem, carteiro é para andar em terra, de porta em porta, anda pra aqui você nestes trabalhos..O que é que o sr.quer..é a vida, diz-me ele. E eu penso, que porra de vida, de vidas, estas viagens, estes Invernos, as aventuras desta gente para cumprir coisas que são triviais, do dia-a-dia, e não lhes chega isto, ainda levam com os tremores de terra,os vulcões, as crises sismicas, cai casa, levanta casa, emigra, não emigra..Pegam-se às rezas, às procissões, vão de romeiros,ai o Divino Espirito Santo, mais o Senhor Santo Cristo que não chegam para tanta premência.. Enfim, estamos nisto há um dia, à noitinha chega-se à Horta, o tempo continua agreste, vento e chuva, meia dúzia de pessoas à espera da outra meia dúzia que vem a bordo, o "Ponta Delgada" passa a noite aqui, amanhã vai até às Flores e Corvo, o esticão maior nestas paragens, são mais de 150 milhas até Sta.Cruz das Flores, se o tempo continuar assim o cozinheiro vai ter folga, ninguém irá à mesa. Eu, fico por aqui, no Faial. Duas semanas pela frente, com trabalho para dois pedacitos do dia..o resto é inventar, e estar a pau com o pessoal dos copos..Mas como é que lhes escapo? Pois, lá virão os chernes, a linguiça com inhames, as lagostas e os cavacos, tudo regado com vinho do Pico e com mesa posta nos fundos da mercearia do Lucas, "shipchandler" nos tempos áureos do porto da Horta, agora fornecedor de comestíveis às traineiras da albacora.. Há que ter paciência e estômago, no regresso a S.Miguel farei uma cura d'águas.. E tudo se passava nos fins da década de 60.
Com que então espreita o meu blog? Como é que soube? Como eu gostava que lá deixasse os seus comentários tão preciosos. Olhe, voltei a deliciar-me com o seu.Você é um excelente narrador,acredite! Um forte abraço para si.
Quase na mesma altura de descoberta destas ilhas da Elisabete que encontrei os teus frutos..É um lugar de poetas onde não caibo - bem gostaria. Mas posso sempre levar lá umas escrevinhações sobre poetas açorianos, menos conhecidos ou esquecidos (com licença da donatária deste arquipélago). Obrigado pelas tuas palavras. Um abraço com saudações marinheiras.
Fiquei tão contente com a tua visita! já li os poemas em voz alta e têm um efeito surpreendente. Obrigada, amigo! Volta mais vezes ao meu cantinho onde terás sempre frutos e mar.Do mar eu sei que gostas... Abraço enorme!
Pois é, João, no fim dos anos 60 já muito tinha enjoado no "Carvalho Araújo", "Angra" e "Funchal", já que era uma menina que estudava em Lisboa, desde 1964. Sempre temi o mar...
Dessas viagens, recordo agora um episódio incrível. Na Graciosa o navio ficava ao largo e carregava gado, vindo em lanchas, para o matadouro em Lisboa. Cada vaca era içada por um guindaste, da lancha para o porão do navio. Mas uma delas, coitada, caíu ao mar e era vê-la de olhos esbugalhados de pavor a nadar desalmadamente... Nunca nenhuma ficou no mar!
Do vulcão, assisti a tudo e falarei dele noutro momento, que não agora.
Conheci esse navios, viajei neles, mai-lo o "Lima" (com 4 anos) e o "Angra do Heroísmo", logo baptizado de "João dos Ovos" quando apareceu nos Açores, em homenagem à figura conhecida em toda a ilha Terceira pelos seus passes de guarda-chuva nas touradas à corda. Em todas as minhas andanças no mar - barquinhos à vela, lanchas,caravela (a " Boa Esperança",que está no Algarve)paquetes e paquetinhos, só enjoei uma vez, a bordo desse "bailarino do mar" que dava pelo nome de "Ponta Delgada", numa movimentada travessia invernosa da Graciosa para a Terceira, que demorou o dobro do tempo devido ao estado do mar. Pude ver que a minha indisposição era justificada já que o cão do navio, mais marinheiro do que muito humano, nessa viagem também se espojou no convés, estiradinho como morto de tanto enjoo.Essas aventuras com a gado e com as pipas de vinho eram comuns, impressionando o forasteiro que tinha a sensação de que aquilo ia correr tudo mal..em S.Miguel, com o navio atracado era ver os desgraçados a ser içados para bordo, lona passada na barriga, esticavam as patas e esbugalhavam os olhos enquanto o guindaste os puxava. Às vezes, de entre o gado que aguardava no cais, escapava-se uma vaca ou um boi - fugiam desalmadamente pela doca acima até entrarem pela cidade, os boieiros atrás, era um pagode até apanharem o bicho.. Em 64 estava também em Lisboa, cumprindo garbosamente o serviço militar na Força Aérea, colocado no Aeroporto da Portela..um menino-soldado, a farda era bonita e a minha especialidade tinha um símbolo que se confundia com o "brevet" dos pilotos, era um rasgar de água com as miúdas, impressionadíssimas com as aventuras que imaginàvamos aos comandos dos aviões.. Os açorianos(rapazes) quando queriam encontrar pessoal da terra em Lisboa era fácil, bastava ir ao Café Palladium,(já desaparecido) na esquina do elevador da Glória na baixa..as meninas não sei como faziam, nessa época era de bom serem recatadas..Enfim, bons tempos, apesar da guerra e do fascismo.
Oh, João, tu escreves tanto!!! Escreves como quem conversa!!! As minhas palavras são mais parcas...
Lembro-me do "Palladium". Fui lá uma vez com uma tia minha, para vermos gentes dos Açores, mas não conhecemos ninguém. Aqueles tempos eram difíceis. Lembro-me de ter caído no Rato, nos carris dos eléctricos e fui para a casa onde estava hospedada (nunca foi a minha casa), chorando, porque ninguém olhou para mim, ninguém me ajudou e, acima de tudo e apesar do sangue, não tinha dinheiro para comprar meias de vidro (ainda não havia collants).
Mar de Bem, tens toda a razão, escrevo muito, mas enquanto a nossa donatária Elisabete consentir vou botando palavra. Diga-se que as meninas que conheço aqui,de facto, são comedidas na escrita, mas enfim, enquanto a donatária Elisabete consentir.. Esta Lisboa também me foi hostil, Mar de Bem, conheci-a melhor aos 16 anos quando aqui estive a fazer de conta que era estudante. Faltava-me tudo. A minha rua, os meus vizinhos, os amigos, os cafés, a minha Avenida Marginal,o Clube Naval e o mar,o Teatro Micialense e os seus filmes,a comida da minha mãe, enfim.. Lisboa era, ao tempo - 1961/62 - uma cidade sorumbática, distante, tudo me fazia confusão, o trânsito, o desapego das pessoas..Para ajudar, apanhei a Crise Académica, era impressionante ver o centro da cidade deserto, ocupado pela policia de choque ao minimo anúncio de manifestação dos estudantes, sentia-se a tensão no ar - uma coisa estranha pela qual voltei a passar muitos anos depois, no 25 de Novembro, de novo em Lisboa. De resto só se passava melhor o tempo se se fizesse parte de um grupo e aí abriam-se algumas portas - lá vinham as matinés nas colectividades, em Belém, na Ajuda, em Campo de Ourique; mas mesmo assim com problemas - eu não tinha, na altura, grande pézinho para a dança e mais, trazia a cabeça cheia de ambições a puxar para o romântico, que ia encontrar a miúda dos meus anseios, claro, não funcionava, elas queriam era o rock e o twist - e eu só despertava alguma interesse momentâneo devido a ser açoriano..Açores..onde é que isso fica?.. Ou seja, não descansei enquanto não chumbei o ano para me apanhar de volta no conforto da minha ilha de S.Miguel. Não imaginando que viria a fazer aqui, em Lisboa, a minha segunda vida. Coisas da dita cuja.
18 comentários:
Não conhecia esta reportagem, ainda bem que a trouxeste aqui.
Recordo que em S.Miguel, em dias de bom tempo, na cumieira das Sete Cidades se via um clarão vermelho no horizonte, que nos dizia que o vulcão estava ali. Felizmente, na minha ilha nunca passàmos por episódios desses,embora fossem relativamente frequentes os abalos de terra - o primeiro dos quais senti por volta dos meus 4 anos.
Em 1973 houve uma crise sismica violenta, que apanhou as ilhas do Faial e do Pico; cheguei à Horta (já havia Aeroporto) no dia seguinte aos primeiros safanões e logo na Aerogare fomos brindados com umas "ondulações" do chão, prolongadas por mais umas tremuras à noite; eu e outros colegas ficàmos na Residencial do Infante e, ao fim da madrugada, sentiu-se um novo "esticão"..por tal forma que um senhor dos serviços de Meteorologia, que tinha ido também de S.Miguel,por pouco não saltou da janela da Residencial para a rua. A Horta parecia, nesses dias, uma cidade fantasma, não sei onde se metiam as pessoas..
Entretanto, chegou ao porto um navio da Armada, com alguns elementos que eu conhecia, e, sem sabermos muito bem o que fazer, fomos,à noite, ao bar do Hotel Faial..eramos nós, uns 4 ou 5, e uma jovem empregada. Instalados à volta de uma mesa,começa a ouvir-se o som que me faz sempre pensar que estão a arrancar um dente à terra..e depois, vimos as paredes da sala, de granito, com tinta branca nas junções, a mexer-se..a mexer-se estúpidamente..ao mesmo tempo que o chão ondulava. Como usa dizer-se, foram segundos que duraram uma eternidade, mas nada se partiu, nada se quebrou - foi como se a pedra, das paredes e do chão, fosse de papel.. no ar ficou um pouco de pó.. e o espaço recuperou a rigidez e estabilidade normais..Como se nada tivesse sucedido.
Nesse dias fui ao Pico - tal como na Horta, também ali tinha havido estragos - e recordo bem a forma como as pessoas encontraram alternativas para se abrigarem; terra de adegas, iam buscar as enormes pipas de vinho que lá estavam, colocavam-nas na rua,à horizontal, tiravam uma das tampas, levavam colchões e
cobertores e dormiam lá dentro..O pavor era tal que me lembro de alguém que tinha qualquer coisa em casa de que necessitava, mas que não conseguia passar a porta da residência, por medo, acabando eu, que não tinha passado pelos piores momentos da crise, a entrar na habitação, para ir buscar já não sei o quê..
O vulcão, entretanto, e como se diz na reportagem, levou a que a ilha do Faial passasse a ter menos de metade da população habitual, em consequência do processo de emigração para os EUA que teve lugar na altura..e a verdade é que essa possibilidade de saída foi aproveitada por muita gente, até de S.Miguel; na minha rua, uma familia inteira conseguiu emigrar, por ter um parente que era natural do Faial.
A falta de pessoas era notória.. e, já nos anos 60,quando tinha de viajar até à Horta, fazia-me impressão ver tão pouco gente na cidade..Não que Ponta Delgada fosse assim uma Lisboa, mas a diferença era, de facto, muito grande e até afligia..principalmente nos meses de Inverno, quando tudo parecia mais triste.
Saudações atlânticas
PS - Parabéns pelo Café do Peter na Ribeira. Fico com inveja, o que existe no Parque das Nações recria o ambiente, mas o Tejo ali na zona, é uma espécie de "mar morto". Aí têm a magnifica Gaia em frente..
Saudações atlânticas
J.Coelho
Ó joão, você é um espanto!Gosto muito do que conta.
Abraço
Ibel, já que aqui veio,e com permissão da Elisabete, deixe-me dizer-lhe uma coisa (tive pudor em fazê-lo no seu blogue..)
Abençoado Luis Costa pelas palavras que recebeu..e abençoada Ibel pelas palavras que lhe deu..
Fico feliz por ver acontecer coisas assim.
Saudações marinheiras
J.Coelho
Como diz a Ibel, és um espanto, João.
Tens memórias riquíssimas que devem ser contadas aos outros. Obrigada por as partilhares connosco.
É verdade que o Peter do Porto fica num lugar muito bonito. Adoro estar ali, sobretudo ao entardecer, a saborear a calmaria.
Agora vou ao blogue da Ibel ver o que é isso do Luís Costa.
Um abraço
P.S. Parece que hoje a terra tremeu na Terceira. Felizmente, coisa pouca.
A partida do "Ponta Delgada" era sempre à 2ªfeira, por volta das 22H. Saída de S.Miguel para, oficialmente, as ilhas do oeste, em giria micaelense, para as ilhas ou para as ilhas de "baixo". No Inverno, era uma partida pobrezinha, meia dúzia de gatos pingados para embarcar - alguns militares colocados no 17, na Terceira, gente que tinha vindo a P.Delgada por razões de saúde e alguns caixeiros-viajantes..estes últimos, coitados, sofrendo a valer, com as malas do mostruário a reboque, carrega e descarrega aqui e ali, umas vezes no porto, outras para a lancha que acostava ao navio. Pena que nunca algum deles tenha escrito para dizer das suas peripécias (não exactamente caixeiro-viajante, mas sim delegado de propaganda médica, como então se dizia, Carlos Faria, "açoriano" da Golegã, poeta apaixonado pelas ilhas, particularmente por S.Jorge,também frequentava o barquinho nestas viagens).
Dado às coisas do mar, meteorologista por gosto, no Domingo que antecedia a saída, eu já sabia o que me esperava; se o Sol nos aparecia mortiço, escondido nas nuvens, estava meio palpite feito. E se à noite, o vento soprasse raso ao mar, dentro do porto, fazendo assim umas crispaçõezinhas na superficie da água..é, estava visto, a viagem do dia seguinte ia ser dançante.
O navio saía de junto dos guindastes na doca, tempinho inclemente, os "carros de praça" (táxis) traziam as pessoas e ala bote, a mim levava-me o meu pai, um beijo, boa viagem..se eu fosse para o Faial acrescentava "cuidado com os copos..", ele sabia como era. Nada que se comparasse à partida dos paquetes, com a doca cheia de gente e de automóveis, os meninos iam para Lisboa (mesmo que fossem para Coimbra ou Porto) estudar, mamãs e papás, mais namoradas e amigos tudo no cais, os navios até apitavam à largada, 3 toques, a lancha dos pilotos respondia com outros 3, vinha o toque final, até à volta, boa viagem, tenham juízo e estudem..
Maletas a bordo, falta alguém? dava para confirmar rápidamente, tão poucos eram os navegantes, tá tudo, toca a andar, até ao farol da ponta do molhe é um pulinho, está dobrado e chega um cheirinho do mar que nos espera, ainda coisa pouca, os passageiros sabem que até à ponta da Ferraria nos Mosteiros se está a coberto da costa, aproveitam para tentar adormecer antes de lá chegar..Eu não, gosto de ver as marradas do navio no mar, vou ao bar antes que o João Toco o feche, tomar o uísquinho da praxe, ele já me conhece, é generoso nas medidas, e sigo para a ponte, do lado de fora, canadiana vestida, cara ao vento, vamos lá a ver o que está aí para a frente, algum receio, combatido por discorrências interiores - então, gostas tanto do mar, como é, és marinheiro de "mar de senhoras"? - lá está, a luzinha do farol da Ferraria, ora bem, bico da proa aberto ao tempo, vem a primeira, catrapum!lá vai disto, a águinha vem por por aí acima,vai navio arriba, vem navio abaixo, o mar está de proa, melhor assim, só se ouve o vento, mais as pancadas das ondas na estrutura do paquetinho, meia hora depois dá para perceber o ritmo do balanceio, tudo bem,já me salguei, sai uma boa noite para o homem do leme, pressinto-o, mais do que o vejo, pela ponta do cigarro, vermelha, dentro da ponte de comando sem luzes..vou até ao camarote, penso que sabia bem outro uísquito antes de abordar o beliche, mas não há, o Toco a esta hora já sonha com a sua Angola..
De manhã, à volta das 7, está-se no porto de Pipas, a bela Angra toda ali, o Páteo da Alfândega com a sua bela Igreja de caras para a baía, vai dar tempo para uma voltita, um verdelho no Manuel Bailhão, almocito no Beira-Mar ou na Adega Lusitânia, depois a partida até outra freguesia, Sta.Cruz da Graciosa,virá a seguir S.Jorge,com paragem nas Velas - vamos ter as cenas do costume, embarcam pipas e vacas, desembarcam e embarcam passageiros, ai o balanço, o navio para cima, a lancha para baixo, só se salta quando eu disser, manda o homem do portaló, um calmeirão do Pico,(só podia ser da ilha-montanha..) conhecido em tudo o que é terra dos Açores - lá vem o carteiro das Velas, fardado a preceito, chapéu e tudo, eu estou na amurada, quando ele entra, não resisto e digo-lhe - ó homem, carteiro é para andar em terra, de porta em porta, anda pra aqui você nestes trabalhos..O que é que o sr.quer..é a vida, diz-me ele. E eu penso, que porra de vida, de vidas, estas viagens, estes Invernos, as aventuras desta gente para cumprir coisas que são triviais, do dia-a-dia, e não lhes chega isto, ainda levam com os tremores de terra,os vulcões, as crises sismicas, cai casa, levanta casa, emigra, não emigra..Pegam-se às rezas, às procissões, vão de romeiros,ai o Divino Espirito Santo, mais o Senhor Santo Cristo que não chegam para tanta premência..
Enfim, estamos nisto há um dia, à noitinha chega-se à Horta, o tempo continua agreste, vento e chuva, meia dúzia de pessoas à espera da outra meia dúzia que vem a bordo, o "Ponta Delgada" passa a noite aqui, amanhã vai até às Flores e Corvo, o esticão maior nestas paragens, são mais de 150 milhas até Sta.Cruz das Flores, se o tempo continuar assim o cozinheiro vai ter folga, ninguém irá à mesa.
Eu, fico por aqui, no Faial. Duas semanas pela frente, com trabalho para dois pedacitos do dia..o resto é inventar, e estar a pau com o pessoal dos copos..Mas como é que lhes escapo? Pois, lá virão os chernes, a linguiça com inhames, as lagostas e os cavacos, tudo regado com vinho do Pico e com mesa posta nos fundos da mercearia do Lucas, "shipchandler" nos tempos áureos do porto da Horta, agora fornecedor de comestíveis às traineiras da albacora..
Há que ter paciência e estômago, no regresso a S.Miguel farei uma cura d'águas..
E tudo se passava nos fins da década de 60.
Saudações atlânticas
J.Coelho
Ó joão,
Com que então espreita o meu blog? Como é que soube? Como eu gostava que lá deixasse os seus comentários tão preciosos. Olhe, voltei a deliciar-me com o seu.Você é um excelente narrador,acredite!
Um forte abraço para si.
Excelente video.
Olá Ibel
Quase na mesma altura de descoberta destas ilhas da Elisabete que encontrei os teus frutos..É um lugar de poetas onde não caibo - bem gostaria. Mas posso sempre levar lá umas escrevinhações sobre poetas açorianos, menos conhecidos ou esquecidos (com licença da donatária deste arquipélago).
Obrigado pelas tuas palavras.
Um abraço com saudações marinheiras.
João Coelho
João,
Fiquei tão contente com a tua visita! já li os poemas em voz alta e têm um efeito surpreendente.
Obrigada, amigo! Volta mais vezes ao meu cantinho onde terás sempre frutos e mar.Do mar eu sei que gostas...
Abraço enorme!
Olá Elisabete
Antes que seja tarde, votos de boa Páscoa. Com bacalhau e folares.Ah, e viva o FC Porto, carago!
Saudações atlânticas
João Coelho
Obrigada, João! Boa Páscoa para ti também.
E "biba" o PORTO!!!
Pois é, João, no fim dos anos 60 já muito tinha enjoado no "Carvalho Araújo", "Angra" e "Funchal", já que era uma menina que estudava em Lisboa, desde 1964. Sempre temi o mar...
Dessas viagens, recordo agora um episódio incrível. Na Graciosa o navio ficava ao largo e carregava gado, vindo em lanchas, para o matadouro em Lisboa. Cada vaca era içada por um guindaste, da lancha para o porão do navio. Mas uma delas, coitada, caíu ao mar e era vê-la de olhos esbugalhados de pavor a nadar desalmadamente...
Nunca nenhuma ficou no mar!
Do vulcão, assisti a tudo e falarei dele noutro momento, que não agora.
BOA PÁSCOA a todos!
Olá Mar de Bem
Conheci esse navios, viajei neles, mai-lo o "Lima" (com 4 anos) e o "Angra do Heroísmo", logo baptizado de "João dos Ovos" quando apareceu nos Açores, em homenagem à figura conhecida em toda a ilha Terceira pelos seus passes de guarda-chuva nas touradas à corda. Em todas as minhas andanças no mar - barquinhos à vela, lanchas,caravela (a " Boa Esperança",que está no Algarve)paquetes e paquetinhos, só enjoei uma vez, a bordo desse "bailarino do mar" que dava pelo nome de "Ponta Delgada", numa movimentada travessia invernosa da Graciosa para a Terceira, que demorou o dobro do tempo devido ao estado do mar. Pude ver que a minha indisposição era justificada já que o cão do navio, mais marinheiro do que muito humano, nessa viagem também se espojou no convés, estiradinho como morto de tanto enjoo.Essas aventuras com a gado e com as pipas de vinho eram comuns, impressionando o forasteiro que tinha a sensação de que aquilo ia correr tudo mal..em S.Miguel, com o navio atracado era ver os desgraçados a ser içados para bordo, lona passada na barriga, esticavam as patas e esbugalhavam os olhos enquanto o guindaste os puxava. Às vezes, de entre o gado que aguardava no cais, escapava-se uma vaca ou um boi - fugiam desalmadamente pela doca acima até entrarem pela cidade, os boieiros atrás, era um pagode até apanharem o bicho..
Em 64 estava também em Lisboa, cumprindo garbosamente o serviço militar na Força Aérea, colocado no Aeroporto da Portela..um menino-soldado, a farda era bonita e a minha especialidade tinha um símbolo que se confundia com o "brevet" dos pilotos, era um rasgar de água com as miúdas, impressionadíssimas com as aventuras que imaginàvamos aos comandos dos aviões..
Os açorianos(rapazes) quando queriam encontrar pessoal da terra em Lisboa era fácil, bastava ir ao Café Palladium,(já desaparecido) na esquina do elevador da Glória na baixa..as meninas não sei como faziam, nessa época era de bom serem recatadas..Enfim, bons tempos, apesar da guerra e do fascismo.
Beijos e abraços com saudações atlânticas
J.Coelho
Oh, João, tu escreves tanto!!! Escreves como quem conversa!!!
As minhas palavras são mais parcas...
Lembro-me do "Palladium". Fui lá uma vez com uma tia minha, para vermos gentes dos Açores, mas não conhecemos ninguém.
Aqueles tempos eram difíceis. Lembro-me de ter caído no Rato, nos carris dos eléctricos e fui para a casa onde estava hospedada (nunca foi a minha casa), chorando, porque ninguém olhou para mim, ninguém me ajudou e, acima de tudo e apesar do sangue, não tinha dinheiro para comprar meias de vidro (ainda não havia collants).
Não fez mal. Tudo isso forjou o meu carácter.
Mar de Bem, tens toda a razão, escrevo muito, mas enquanto a nossa donatária Elisabete consentir vou botando palavra. Diga-se que as meninas que conheço aqui,de facto, são comedidas na escrita, mas enfim, enquanto a donatária Elisabete consentir..
Esta Lisboa também me foi hostil, Mar de Bem, conheci-a melhor aos 16 anos quando aqui estive a fazer de conta que era estudante. Faltava-me tudo. A minha rua, os meus vizinhos, os amigos, os cafés, a minha Avenida Marginal,o Clube Naval e o mar,o Teatro Micialense e os seus filmes,a comida da minha mãe, enfim..
Lisboa era, ao tempo - 1961/62 - uma cidade sorumbática, distante, tudo me fazia confusão, o trânsito, o desapego das pessoas..Para ajudar, apanhei a Crise Académica, era impressionante ver o centro da cidade deserto, ocupado pela policia de choque ao minimo anúncio de manifestação dos estudantes, sentia-se a tensão no ar - uma coisa estranha pela qual voltei a passar muitos anos depois, no 25 de Novembro, de novo em Lisboa.
De resto só se passava melhor o tempo se se fizesse parte de um grupo e aí abriam-se algumas portas - lá vinham as matinés nas colectividades, em Belém, na Ajuda, em Campo de Ourique; mas mesmo assim com problemas - eu não tinha, na altura, grande pézinho para a dança e mais, trazia a cabeça cheia de ambições a puxar para o romântico, que ia encontrar a miúda dos meus anseios, claro, não funcionava, elas queriam era o rock e o twist - e eu só despertava alguma interesse momentâneo devido a ser açoriano..Açores..onde é que isso fica?..
Ou seja, não descansei enquanto não chumbei o ano para me apanhar de volta no conforto da minha ilha de S.Miguel. Não imaginando que viria a fazer aqui, em Lisboa, a minha segunda vida. Coisas da dita cuja.
Saudações atlânticas
Ai as gralhas..repeti o "consentir" da Elisabete e o Micaelense asneirou..Desculpem.
João, estás preocupado com as gralhas, quando o conteúdo das tuas palavras é que interessa?
OH, Homem, deixa isso p'ra lá!
João,
Com gralhas ou sem gralhas, a donatária não só consente como agradece, encarecidamente.
O que eu aprendo convosco, amigos!!!
Beijinhos
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