Era noite quando João chegou à ilha. Durante o entardecer, fora-lhe avistando o lombo, pão de milho flutuante que crescia de encontro a ele, a levedar de verde escuro. O barco entrou na baía cansadamente feliz, a cidade posta na sua concha luminosa, a rocha do Cantagalo cortada a faca, as muralhas do Castelinho ao lado, guardadoras de outros tempos, de outros piratas, de outras guerras. O Monte Brasil, um monstro afocinhado na água, quieto e negro, do outro lado da baía, com seios de velho vulcão. O barco atracou no Porto das Pipas, há gente sobre, um pequeno magote em bicos de pés, alguns acenos que se trocam, passageiros que descem com a viagem acabada. […]
Álamo Oliveira, Até Hoje (Memória de Cão)
9 comentários:
Um dos livros mais perturbadores e inquietantes, e por isso também dos mais belos, sobre a guerra do Ultramar. Pena a gralha no título, pois que este é "Memórias de Cão", e não "Memória de Cão".
Completamente de acordo com a apreciação que faz.
Comprei o livro, há uns anos, aí em Ponta Delgada, na Feira do Livro e, de facto, não sabia da gralha no título. Obrigada pelo esclarecimento. Ainda bem que está atento a estas coisas.
Um abraço
"passageiros que descem com a viagem acabada"...
Quando vinha no "Carvalho Araújo", a férias, era sempre no fim da viagem, antes da volta, que eu e o resto das gentes desembarcávamos. Já não ficava ninguém. E eu gostava de sair na leva dos últimos. Tinha aproveitado tudo, tudo, como se não pudesse desperdiçar pedacinho algum daquela viagem.
E no entanto, também enjoava...
O apetite ficou aguçado já há uns dias, mas não conseguia submeter o comentário.
Que bom encontrar também aqui os que amo!
BEIJINHOS!!!!!
Gostava de ter feito essas viagens, Mar de Bem. Deve ter memórias que não esquecem.
Ibel: O Álamo Oliveira é mais um escritor, dos Açores, a não perder.
Beijos para todos.
Elisabete:
Nos idos anos 60, vir do Faial para Lisboa estudar em Belas-Artes era temerário (graças a Deus que nunca tive a verdadeira noção dessa realidade).
A viagem no "Carvalho Araújo" era de 8 dias bem vividos (excepto no 1º ano em que o enjôo e a timidez não permitiram usufruir em pleno a companhia de colegas de outras ilhas).
Quando nos despedíamos dos pais e irmãos era com um choro sentido e com uma enorme saudade antecipada. Comunicavamos apenas por carta. Nem telefone...
Só quase daí a um ano estaríamos de volta...
No 1º Natal meu irmão e eu descobrimo-nos sòzinhos neste mundo...Foi o primeiro choque, que nos foi ensinando a crescer.
...and so on...
Falaram-me,há tempos,desse escritor.Confesso que não conheço.Acredito que esteja no grupo dos «aconselháveis».
Mar de Bem,porque nos aguças a atenção com as tuas fantásticas estórias?Vá lá,conta mais.Ou melhor,continua a contar a das viagens de oito dias.Pode ser?
Beijos para ti e para a Elisabete,que tem a arte de nos encantar com os textos que aqui vem postar.
Tornando-me "habituée" das viagens, descobri que a única maneira de não enjoar era, logo após pespegar a mala no camarote, ir até ao bar e tomar um wisky. Aquilo punha-me "tem-te que não cais" e quando o navio zarpava já não topava aquele balanço hipnótico e entediante que habitualmente me punha doente de enjôo. Assim, bastava um único wisky em toda a viagem, para me habituar ao balanço. E a viagem decorria de feição...
As coisas que a gente descobre!!!
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