Queixa das almas jovens censuradas
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Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
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Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
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Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
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Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
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Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
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Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra para o medo
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Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
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Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
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Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
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Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
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Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
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Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte(Poesia musicada e cantada, magistralmente, por José Mário Branco)
2 comentários:
Ontem declamei um poema de Natália Correia.Hoje abro o seu blog , depois de uma noite de insónia, e vou lendo e cantando.
Este é daqueles poemas que dá gosto interpretar com os alunos.A primeira reacção é de que não perceberam nada, depois é a surpresa e o espanto.
Beijinho.
Pois. É um belo poema e adoro ouvi-lo pelo José Mário Branco, quase sempre com a lágrima ao canto do olho.
Mais uma coincidência... não é?
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