A Promessa do Capitão-Mor
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A última oração depois do jantar em casa do capitão-mor da vila de Santa Cruz da Graciosa foi uma salve-rainha em louvor de Nossa Senhora da Vitória. Nem naquela casa, nem em nenhuma outra se esqueciam da intervenção da Virgem em livrá-los dos piratas que haviam invadido a ilha em 1623. Gil de Quadros Machado, como bom cristão e bom ilhéu, sabia ser agradecido. Estamos no derradeiro sábado de 1669.
A esposa e as duas filhas do capitão-mor – uma era Clélia, a outra, Anunciação – apreciavam a maneira docemente evocadora como ele falava dos seus ancestrais. Finalmente, como um convite a retirarem-se para os seus aposentos, um morcego entrou na sala, pouco incomodado com a mortiça luz das velas. Porém, o morcego perturbou o capitão-mor, que o teve como agoirento.
E não andaria muito longe de se confirmar o que poderia ser tomado por superstição. Gil de Quadros acordou com fortes pancadas na porta de sua casa. Era um soldado que vinha preveni-lo do que se passava. Piratas ingleses haviam desembarcado na Vila da Praia e começavam a atacar a população. A situação era dramática. Por isso, o capitão-mor mandou tocar a rebate e uma vez mais se dirigiu a Nossa Senhora, oferecendo as suas filhas como freiras se Deus livrasse a vila de Santa Cruz dos invasores.
Foto: Maurício Abreu

E assim, na Sexta-Feira Santa seguinte, ajoelhado ante a imagem e Nossa Senhora da Ajuda para que o ajudasse, ouviu uma voz dentro de si que lhe dizia:
- O Senhor compadece-se de ti, meu filho. Por isso, concede-te que te desligues do teu voto. O seu sinal será o pousar de duas pombas brancas nas hastes da cruz do porto da barra ao nascer do Sol de Quinta-Feira da Ascensão.
Gil de Quadros soube esperar o sinal, e no dealbar do referido dia ali estava o capitão-mor olhando a cruz, à espera do sinal do Senhor. E duas pombas brancas foram pousar no sítio anunciado. E nesse mesmo dia, com o coração cheio de felicidade, ele foi a Angra buscar as filhas ao convento.
José Viale Moutinho, Lendas dos Açores
2 comentários:
Esta lenda comoveu-me... Mas também me fez lembrar de Ifigénia sacrificada pelo pai para obter bons ventos... Os pais que acham que têm o direito de sacrificar as filhas... :(
Isso era muito comum noutros tempos... Mas será que já não acontece?
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