sábado, 26 de março de 2011
Revelação
quarta-feira, 23 de março de 2011
Lenda de Angra do Heroísmo
segunda-feira, 21 de março de 2011
Poesia
sábado, 19 de março de 2011
sexta-feira, 18 de março de 2011
A Nau Catrineta
quarta-feira, 16 de março de 2011
Será possível?
quarta-feira, 9 de março de 2011
Ilhéus das Formigas

O que destes baixos aparece sobre a água do mar tem no princípio um grande e alto penedo, e na outra ponta outro mais baixo e pequeno, e, do alto até o mais baixo, corre a compridão delas como do Nordeste a Su-sudoeste, e a ponta mais delgada delas, que é o penedo mais baixo, vai direita à ilha de Santa Maria, esvarando pela banda do Norte da mesma ilha. Têm estas Formigas, do penedo grande à outra ponta do outro penedo mais pequeno […], tanto como um bom tiro de besta. O penedo maior, que é a cabeça deste baixo, é de altura de uma casa sobradada, e, deste penedo para a ponta, que é outro penedo um pouco mais baixo, corre em altura de casa térrea. Assim que são três alturas diferentes, porquanto têm os meios mais baixos. E há um canal entre o penedo grande e o outro baixo mais baixo, por onde passam barcos de banda à banda, e aqui, neste canal, morre muito peixe de muitas maneiras nas bocas dele, e morrem também escolares. E da banda de Leste se abrigam os barcos a este penedo grande de todo o temporal que corre contrário de rosto ao Leste. A largura deste baixo será tanto como vinte côvados, de três palmos cada côvado, a lugares mais e a lugares menos. E da banda do Sul está outro baixo arredado, que é o penedo mais pequeno da outra ponta, por entre o qual e o baixo do meio pode passar um barco. E estes penedos dos cabos, assim o grande como o pequeno, chamam os mareantes Cuadas, porque são os extremos e pontas de todo este baixo, que está sobre o mar. […]
Nestes baixos há muitos caranguejos, lapas, cracas e búzios, em tanta quantidade, que é coisa de espanto ver a multidão deste marisco. […] Da Cuada, ou cabo deste grande e mais alto penedo, direito ao Sueste, espaço de uma légua, demora outro baixo debaixo do mar, ficando-lhe o outro alto ao Noroeste, de maneira que estão ambos Noroeste Sueste. Este baixo, que chamam o Raso, é muito mais perigoso que o outro alto, de que mais se temem os mareantes, e onde os navios se perdem; e são três baixas debaixo do mar, com três eiras entrempadas como em triângulo, que farão todas três estendidas e o mar, que no meio se mete, quantidade de três alqueires de terra. Por muito manso e chão que esteja o mar, receia qualquer barco, por pequeno que seja, de se meter entre elas, pelo grande fervor que a água ali trás. Com baixa-mar, podem ser sobre estas baixas sete ou oito palmos de água, e com mar grosso (porque cava, então, muito), tudo aparece branco e quase se descobrem. Dizia um Álvaro Gonçalves Maranhão, mareante da cidade da Ponta Delgada, que já vira nestas baixas calhaus como de lastro de navio, que parece que ali em algum tempo de tormenta se perdera.
Neste baixo, e ao redor dele, em barcos, se faz a pescaria principal, onde morre peixe escolar e de toda sorte. Mas os barcos que pescam nele, por ser tão perigoso para de noite dormirem no mar, que é ali roleiro, logo se acolhem dele ao penedo grande, onde estão mais seguros.
[…]
Vindo a estas Formigas Frei Gonçalo Velho no novo descobrimento […], não achando ilha frutuosa e fresca, senão estéreis e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras, tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante seu senhor se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, donde partiram, sem mais ver outra coisa que terra parecesse, e dando esta nova ao Infante D. Henrique, juntamente dizendo seu parecer, que não havia por este mar outras terras senão aquelas duras pedras que nele somente acharam.
Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra [Livro III, Capítulo Primeiro]
sábado, 5 de março de 2011
Lenda dos nove irmãos
sexta-feira, 4 de março de 2011
Cancioneiro das Ilhas
quarta-feira, 2 de março de 2011
Açores e Atlântida

Mapa de Athanasius Kircher mostrando a Atlântida no meio do Oceano Atlântico. De Mundus Subterraneus, de 1669, publicado em Amesterdão. O mapa é orientado com o sul para cima (Wikipédia)
[…] se tornaram à cidade de Roma, sem achar estas ilhas dos Açores pegadas com a costa de Portugal ou de Europa, rodeando-a toda até ao cabo de Finisterra, sem fazer tão longo rodeio como fora, se pelas ditas ilhas dos Açores foram. Pelo que, do que tenho contado, se segue que nunca estas ilhas dos Açores foram pegadas com Portugal, como tem a primeira opinião, nem com ilha Atlântida, que não houve antes nem depois de Platão […], que é a segunda opinião, como, pelas histórias contadas atrás e pela experiência que dos mais tempos já tão conhecidos e lembrados temos, tão claro parece.
[…]
Ainda se Platão não tivera que o Mundo teve princípio e cuidara, como cuidou Aristóteles, que era ab eterno, deste erro pudera persuadir que houvera em algum tempo atrás (de que não houve memória de homens) a ilha Atlântida, porque ninguém, então, lho pudera nem soubera contrariar, pela infinidade de anos em que atrás pudera haver sido o que contara ele e qualquer outro que quisera fingir histórias muito antigas. Mas ele tem que o Mundo teve princípio e a Igreja Católica, que é mais verdadeira e certa mestra que as escolas de Atenas, assim o afirma; e é verdade infalível de fé que teve o Mundo princípio, como se vê e prova no primeiro capítulo do Génesis, onde a Sagrada Escritura começa que no princípio criou Deus o Céu e a Terra. E temos anos contados no Mundo, desde o princípio dele até agora.
E os reis e governadores de Espanha que de Tubal, primeiro rei dela, começaram até os que em tempo de Platão e Aristóteles, seu discípulo, reinaram e governaram, e claramente vimos que, no tempo que eles reinaram e governaram, nem setecentos e cinquenta anos antes que Platão escrevesse […] haver tal Atlântida, nem rei dela, que aos de Espanha em algum tempo depois, nem dantes, vencesse, como tenho contado, os que a Tubal sucederam até os anos em que Platão e Aristóteles floresceram, e até os tempos claros e conhecidos em que notoriamente experimentamos e sabemos não haver tal Atlântida, por onde, nestes nossos tempos acordados, parece ficar ar e nada o sonho da Atlântida que Platão, como dormindo, sonhou e contou. […]
Não quero nisto dizer que Platão quisesse fingir esta história da Atlântida, senão que a contou como a ouviu a alguns, a que deu mais crédito do que o necessário […]
Também diz Platão que dos egípcios ouvira o que da Atlântida conta […]
Platão, como coisa nova, conta aos atenienses esta história da Atlântida e dos reis dela, como, sendo tão belicosos, foram vencidos pelos mesmos atenienses, como a eles nova e deles nunca sabida, nem ouvida. Eu não sei como possa ser que uma coisa tão grande, como diz que era a Atlântida, e tão poderosos reis dela e vencedores dos reis de Espanha, ou a subversão dela, ou a vitória que dela houveram os atenienses [...], sendo cada uma destas coisas tão grande e de tanto nome, que a menor delas era digna de memória perpétua, fosse ignorada e esquecida no Mundo todo, e especialmente em Espanha e em Atenas, pois de muito menores coisas e acontecimentos há tantas memórias e estão as escrituras cheias […]
Mais claro que o meio-dia fica e parece que nem reis de Atlântida venceram reis de Espanha, nem atenienses venceram reis de ilha Atlântida nem tal Atlântida no Mundo houve em algum tempo, pois tenho contado os tempos e as mais notáveis coisas e guerras deles (em que Platão diz que foi), sem neles, dantes nem depois, disso se achar nem em escritura, nem tradição, nem memória de homens lembrança, faro, parte, nem mandado.
[…] sem haver em tempo de nenhum deles memória de vitória que os atenienses tivessem de reis de Atlântida, pelo que claro parece nunca haver sido tal ilha. E não a havendo, mal podem ser estas ilhas dos Açores partes dela.
[…]
Se, para prova de não serem estas ilhas parte de Europa, nem da ilha Atlântida, não são suficientes as razões que atrás tenho ditas, digo que elas e outras, que por brevidade deixo de dizer, são bastantes para me persuadir e concluir, a mim, a ter o contrário das duas opiniões e me convencem meu entendimento para afirmar que entendo e não posso entender outra cousa, senão que parece claro que nunca estas ilhas dos Açores foram pegadas com Portugal ou Europa, como tem a primeira opinião. Nem houve em algum tempo ilha Atlântida, nem estas ilhas são parte sua, como a segunda opinião afirma. Mas nem com isso quero obrigar os entendimentos doutros (pois Deus os fez livres) a que entendam o mesmo e digam o que eu digo. Entenda e diga cada um o que quiser, que eu isto entendo e afirmo, enquanto não vejo outras melhores razões que me convençam meu entendimento no que agora disto alcanço saber.
Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Livro I, (retirado dos capítulos 27º, 28º, 29º, 30º, 31º e 32º)
NOTA: Quero esclarecer que, devido à extensão do texto, me atrevi a retirar dele pequenos trechos que, no seu conjunto, pudessem dar uma ideia, ainda que imperfeita, do pensamento e da posição de Frutuoso face a este assunto.
Para tornar a leitura mais fácil e inteligível, procurei dentro do possível “modernizar” a grafia de certas palavras. Que me sejam perdoadas estas "liberdades".